A CASA ONDE EU NASCI
*João Batista Queiroz
Li este texto do Dr Batista em sua página no Facebook, achei precioso e de fina sensibilidade. Logo pedi ao autor consentimento para compartilhar com os amigos:
“Pus-me a recordar Patrocínio, terra amada dos meus sonhos, onde vivi os anos encantados da minha infância e onde adolesci. Era uma cidade pequena, quase rústica, descuidada do seu próprio futuro incerto e inseguro, culpa talvez do solo empobrecido de húmus e nutrientes e por isso parcimonioso na fertilidade.
Era amada dos seus filhos, místicos na paciência com que esperavam novos tempos, que florescessem seus campos e cerrados, sob as bênçãos de Deus e dos Santos, que invocavam com fé e a certeza de que o Criador não havia de desperdiçar a beleza de suas plagas mantendo-as pobres e improdutivas.
Essa bênção chegou com o café, incipiente nos primeiros tempos, depois revelando que o solo era fértil no aproveitamento de sua vocação, apropriado para o cultivo da rubiácea, transformando o Município em pioneiro de novos tempos para Minas e para o Brasil, tornando-o o maior produtor de café do país.
Também a Cidade se transformou, na esteira do desenvolvimento econômico e produtivo e virou metrópole, agora uma das mais lindas e atraentes desse abençoado solo mineiro, de tantas glórias e tradições.
Da contemplação de tudo isso, transportei-me ao passado e revi a casa onde nasci e vivi os anos dourados da minha infância, mansos e felizes, até que a tragédia mudasse o rumo da nossa história e levasse embora a rainha da nossa felicidade.
A casa era grande, bonita, e enfeitava a Praça Honorato Borges, nome do maior estadista interiorano daquele tempo, eternizado na lembrança da gente com o nome que emprestou para o logradouro e pelo busto que o orna, ostentando fisionomia mansa e pacífica de notável personalidade.
Guardo recordação especial da casa, não tanto como gostaria, posto que a deixei em tenra idade, mas vejo-a ainda nas suas dimensões e contornos, grande, graciosa, acolhedora, berço e abrigo de uma família numerosa, pai, mãe, doze filhos, Elvira, uma doce irmã de criação, criadas e quase sempre alguém mais da parentela que costumava ocupar o que ainda sobrava do espaço exíguo.
Não, até hoje não consigo entender e nem recordar como se alojava tanta gente! Mas alojava, porque ainda maior do que a casa era o coração das pessoas, modelado no da mãe, que a todos recebia mais do que sorrindo, com a bondade que era seu apanágio. Bendita hospitalidade mineira, que até hoje se canta e encanta!
Não me recordo muito do quintal, senão que era frondoso como os quintais daquele tempo. Lembro que era grande, espaçoso, e cobria a distância até o fundo, na Rua São Miguel. Brincávamos lá, com certeza, mas os folguedos eram contidos pelas restrições dos perigos com que nos assombravam, um deles o da contemplação da Rua São Miguel, então maldita.
De repente, o desastre maior que podia abater-se sobre uma família nos atingiu em cheio. Minha mãe, Elizeta, moça ainda, com trinta e sete anos de idade, sucumbia ao peso do seu 13º parto, levando com ela o bebê que gestara, apenas batizado “in extremis”, na dúvida se vivo ainda ou se já anjo. Ficamos órfãos de mãe e de casa.
Não podíamos continuar vivendo lá. Meu pai perdeu o gosto de tudo, decidiu que não conseguia conviver com as recordações da esposa amada no espaço de que ela fora rainha. Mudamos para outro sítio, onde as recordações fossem menos penosas.
O casarão da praça, tão grande, tão espaçoso, tão bonito, tão acolhedor, tão dominante do espaço, deu lugar ao nascimento do primeiro clube social da cidade, o saudoso Clube Itamarati, que lá permaneceu por algum tempo, até alojar-se em outro endereço.
Depois, a casa tornou-se o lar de uma família amiga e honrada, uma das tradições de Patrocínio. Theodoro Gonçalves e D. Rufina moraram nela, não sei até quando, mas via-os sempre que passava por aquelas paragens, nas minhas visitas à cidade, D. Rufina, no alpendre, com seu semblante sereno e alegre, contemplando a praça, já mais cuidada do que antes, transformada com a construção de outros prédios, remodelada nos jardins que a enfeitavam.
De uma feita, passando por lá, tive vontade de rever a casa e pedi à D. Rufina que me deixasse entrar. Acolheu-me com bondade, permitiu que a percorresse, o que fiz tomado de muita emoção, quase redescobrindo as dimensões e geometrias do prédio, que ainda habitavam a minha quase apagada lembrança de oitenta anos passados.
Chorei de emoção. Enquanto contemplava cada cômodo e na medida em que a minha fraca lembrança me despertava para alguma recordação em especial, - aqui era o armário de guloseimas, ali era o baú de frutas, acolá o quarto de meus pais, a cozinha, lá fora o tanque em que se lavava a roupa, - a cada descoberta despertavam-me os versos de Luiz Guimarães Rosa, descrevendo a sua
VISITA Á CASA PATERNA
Como a ave que volta ao ninho antigo,
Depois de um longo e tenebroso inverno,
Eu quis também rever meu lar paterno,
O meu primeiro e virginal abrigo.
Entrei. Um gênio carinhoso e amigo,
O fantasma, talvez, do amor materno,
Tomou-me as mãos, olhou-me grave e terno,
E passo a passo caminhou comigo.
Era esta sala (oh, se me lembro e quanto!)
Em que da luz noturna à claridade,
Minhas irmãs e minha mãe... o pranto
Jorrou-se em ondas...resistir, quem há de?
Uma ilusão gemia em cada canto,
Chorava em cada canto uma saudade!
*João Batista Queiroz, advogado, empresário, tio do Betinho, “com muito orgulho”, irmão de sua mãe, Madalena. Mudou-se de Patrocínio no ano de 1960, indo para Uberaba, onde fundou uma concessionária de veículos. Em 1966 foi para São José do Rio Preto, onde reside até hoje. Frequenta Patrocínio com a assiduidade possível e tem muito orgulho de ser mineiro e patrocinense. (São José do Rio Preto-SP)