Viagem. Sempre é agradável fazer uma. Porém, quando a viagem é feita pelo pensamento à época distante, época de outrora, ela reúne o agradável, e a emoção e o admirável. Os anos 30 é o destino. A fonte é o jornal patrocinense “O Tempo”, edição de 6 de dezembro de 1931. Naquela data o semanário circulava em sua terceira semana de existência. Esse jornal teve vida efêmera. Tudo isso há noventa anos.
A GUERRA DAS FORMIGAS – Sob o título “Patrocínio Vai Ser Destruída”, O Tempo alertava para o perigo que rondava a cidade. E clamava e orientava os patrocinenses a destruírem os formigueiros, que estavam que estavam minando o chão rangeliano. O redator do jornal escreveu: “...dando uma volta pelas ruas, a gente fica apavorado com a enorme quantidade de formigas cabeçudas. O quartel general desse formidável exército está na Praça Honorato Borges, a principal, onde se erguem os seus numerosos montículos de terra vermelha, desafiando à Prefeitura.”
O CENÁRIO – Nessa ocasião as três principais praças não tinham passeio. As vias internas eram de terra. Como as ruas e avenidas também. A única vantagem se comparadas com os dias atuais é que possuíam inúmeras árvores, algumas frondosas. Por outro lado, a iluminação precária. Praticamente, praças às escuras, sob a claridade do luar.
ISSO ERA NORMAL... – Até a década de 60, os jornais que circularam no Município informavam os cidadãos em viagem, inclusive para aonde foram, e os visitantes. Além de pessoas enfermas e falecimentos. Então, nessa edição, o jornal destacava que “embarcaram para Belo Horizonte, via estrada de ferro (ferrovia) Alfredo Santos, Raul Rodrigues e Joaquim Carlos dos Santos (esse o maior historiador de Patrocínio). Regressou de Patos, o sr. Gentil do Nascimento” (antigo proprietário do Hotel Serra Negra). O Tempo ainda anunciou que “seguiu para o Rio, quinta-feira o Rvmo. Padre Ansfrido Van Ven, professor de Inglês e Ciências Naturais do Ginásio Dom Lustosa. Regressará às vésperas do Natal.”
CASAMENTO E PRIMEIRO CINEMA – O jornal registrou que “no dia 19 de novembro (de 1931), na Fazenda da Congonha, aconteceu o enlace matrimonial de Itagiba Cortes e da graciosa senhorita Ilka Afonso, da sociedade local.” E que “aconteceu a reabertura do Cine Odeon (Praça Honorato Borges), com aparelhos usados nas grandes cidades. Parabéns aos progressistas Whady Miguel Felipe (pai do inesquecível médico Michel Whady) e gerente Chaffir Miguel.” Essa família, de origem do Líbano, veio residir na cidade. O Cine Odeon apresentou “a magnífica produção Quase Cavalheiros, com o varonil Victor Mac Laglen e a linda Fay Wray” (filme mudo, não tinha som).
FIM DE ANO... ESCOLAS EM FESTA – Com a redação original desse jornal, “o encerramento do ano letivo do Dom Lustosa foi presidido pelo Pe. Matias. Doutor Pedro Anísio Maia discursou. Palmas prolongadas abafaram as últimas palavras do orador. No Grupo Escolar Honorato Borges, Fock Silva e Osmar Nunes (filho do Sr. Manuel Nunes e pai da cronista Mônica Othero) foram aprovados com distinção, grau 10. Olga Wadhy aprovada, com grau 8, no Patrocínio Colégio. No Colégio Nossa Senhora do Patrocínio, a aluna Astrogilda Ribeiro Queiroz foi aprovada com grau 10, também com distinção” (a primeira formatura naquele colégio). Como se observa, naquela época, publicava-se as notas escolares de destaque nos jornais.
ESTUDANTE PODIA MORAR NA ESCOLA... – O Tempo tinha os seus anúncios comerciais. O do Ginásio Dom Lustosa, dos padres holandeses, oferecia, para meninos, externado e internato (aluno hospedava-se na própria escola, à Rua Afonso Pena). Para os cursos primário, ginasial e instrução militar. Da mesma forma, porém para meninas, o Colégio Nossa Senhora do Patrocínio oferecia externato e internato (escola e hospedagem para alunas de outros lugares/cidades).
MODA E MÉDICO – Mais anúncios interessantes. “Alfaiataria Matias é vestir-se com suprema elegância”. Não existiam ternos e calças prontas no comércio. Por isso, os alfaiates eram a referência do modismo e da boa costura. A Casa Bandeira Vermelha comercializava finos chapéus e calçados. O uso de chapéus era comum. Na Praça Santa Luzia existia também Casas Pernambucanas. Se o assunto era saúde, Dr. Ermiro Rodrigues Pereira, médico, atendia chamados a qualquer hora do dia ou da noite. Ele residia à Rua 15 de Novembro (hoje, Rua Presidente Vargas). Curiosidade: não havia telefone nem campainha. Então, era bater na porta da casa do médico, a qualquer hora, em casos de doença.
MAIS NOTÍCIAS... ANOS 30 – “Melhoramentos no Matadouro. A prefeitura, visando tornar-se mais higiênico o serviço de distribuição de carne à população, construiu uma carroça para esse fim”.XXXX Yara é mais uma poesia de Massilon Machado (o poeta maior).XXXX “Cidade do Patrocínio” (desde os anos 20), “A Razão de Monte Carmelo” e “O Comércio de Patos” (não se escrevia “de Minas”) eram os outros jornais da região. Não existia ainda emissoras de rádio.
QUEM É, O QUE É – Esse jornal de apenas quatro páginas (normal à época) mostrava a sua linha editorial ligada à Igreja Católica, já na primeira página. Duas crônicas bem redigidas demonstravam isso. Uma sobre a Ação Social Católica. E a outra moralista intitulada “Vagabundos da Sensualidade”. Os diretores eram o professor Alceu de Amorim e Fortunato Pinto Júnior. A assinatura anual custava 12$000 (doze contos de réis ou doze mil réis). Réis era a moeda desde o Império até 1942, quando surgiu o cruzeiro.
FONTE – Exemplar de “O Tempo” de Patrocínio é relíquia guardada por Roberto Cunha, residente em Belo Horizonte, e filho do primeiro piloto (de avião) da cidade, Elias Alves da Cunha (1942). Este escriba tem cópia.
Primeira Coluna publicada na Gazeta, edição de 18/7/2020.