Fantástico. Faremos mais uma viagem à origem dessa querida terra. E da região, pois Patrocínio pertencia a Paracatu, único município do (hoje) Triângulo-Noroeste. O livro “Viagem às Nascentes do Rio São Francisco”, escrito por Auguste de Saint-Hilaire, é a fonte. Em 1819, esse naturalista partiu do Rio de Janeiro em busca das nascentes do Rio São Francisco. O relato da viagem é o principal documento, e o primeiro, a mostrar a geografia, o meio ambiente e aspectos sociais do caminho para Goiás. E Patrocínio está no contexto.
PRIMEIRA IMPRESSÃO – As pastagens naturais são muito favoráveis à criação de gado e à agricultura. “Existem, perto de Paracatu, terrenos salitrados que substituem o sal para o gado vacum, bem como nos distritos de Araxá e Patrocínio, nos arredores de Farinha Podre (futuro Triângulo), por águas mineiras, que os animais saboreiam com delícia.”, escreve Saint-Hilaire.
CARNEIROS... – Os europeus gostavam muito da carne desse rebanho e pagavam caro. Por isso, na região Araxá-Patrocínio, os criadores dedicaram também aos carneiros. Inclusive, fabricavam tecidos grosseiros de lã em suas casas, porém tinham certa repugnância pela carne.
MAIO DE 1819... GENTE RUDE E PLANTA MEDICINAL – Segundo Saint-Hilaire, na região de Paracatu-Patrocínio, na época de seca, quanto às matas, somente o Ipê (Bignoniaceae) e as gameleiras perdiam, anualmente, toda a sua folhagem. Ele apresenta mais cenas do vivenciava: “O capim estava, em maio, pelos lados de Patrocínio, quase tão seco como em outros lugares... a falta de chuvas ocasionara carestia geral... o milho, que substituía a aveia, faltou, muitas vezes, aos meus animais... lutei para renovar minhas provisões de farinha e feijão... fiquei sem arroz por três semanas... no meio desses campos, calor excessivo, não encontrava senão comida grosseira, água por bebida, abrigo detestável e hospedeiros ignorantes e estúpidos... são terras de riqueza e prosperidade, ouro e diamantes, diversas plantas medicinais como a Quina do Campo (strychnos pseudoquina)... águas minerais úteis até para a cura de moléstias e campos regados por inúmeros córregos e rios...”
VATICÍNIO DE SAINT-HILAIRE – Sobre o Noroeste e Alto Paranaíba, previu em 1819, que “quando houver população mais numerosa espalhada, comunicações mais frequentes (intercâmbio com outros lugares) e energia, essa região “florescerá” (progresso/desenvolvimento).
RAZÃO DA EVOLUÇÃO REGIONAL – Os negros fugitivos (escravos) se escondiam nessas terras praticamente desabitadas. A extrema fertilidade da terra começou a ser conhecida na colônia (Brasil). Criminosos, devedores, fazendeiros de terras pouco férteis, gente desejosa de ganhos, vieram em massa de outros lugares. Isso gerou impunidade e muitos crimes. Pois, a região pertencia à Província de Goiás, onde a obtenção de sesmarias (quantidade de terra que a colônia dava ao particular) era mais fácil do que em Minas. E maior (três léguas contra uma légua dos mineiros). Aí, surgiu Araxá como povoado, paróquia e julgado (sede de justiça).
TRIÂNGULO VOLTA A MINAS – Os habitantes honestos achavam que os magistrados goianos a 140 léguas (1 légua = em torno de 6km) dificultava muito. Daí, a partir de 06/4/1816, Araxá e Patrocínio deixaram Goiás e passaram para a comarca de Paracatu.
AS ÁGUAS MINERAIS E O GADO – Em Araxá, Saint-Hilaire visitou um bosque fechado que se dava o nome de barreiro (“b” minúsculo). Lá brotavam as águas minerais, sobretudo as sulfurosas. Os fazendeiros, mensalmente, tinha um dia, determinado pelo Juiz, para os seus rebanhos usufruírem dos sais minerais. Às vezes, havia fazendeiros e seus rebanhos vindos de longe (dias de viagem). A mesma coisa ocorria em Salitre ou Patrocínio (nessa ocasião, Patrocínio era também conhecido como Salitre).
A VEZ DO QUEBRA-ANZOL – A partir do distrito de Araxá, passando pelo distrito de Patrocínio, a comitiva do pesquisador francês, desejava chegar na vila de Paracatu, a sede municipal. Após atravessar o Rio Quebra-Anzol, três léguas e meia à frente, estava a fazenda de Francisco José de Matos, onde identificou diversas espécies de vegetação e enorme número de beija-flores (ave). Pouco depois da fazenda de Francisco tinha uma sequência de montanhas com o nome de Serra do Salitre (nessa época, ainda não existia o povoado). Conforme Saint-Hilaire, esse nome das montanhas não significava que ali houvesse salitre. E sim, porque os poucos moradores avistavam de seu alto, terras vizinhas possuidoras de águas minerais, onde acreditavam ter o sal (salitre) para o rebanho, em substituição ao tradicional sal, mais caro.
ÀGUAS MELHORES DO QUE ARAXÁ – Prosseguindo a viagem, Saint-Hilaire afirma, no seu livro, que no meio da mata de seis léguas de comprimento estão as águas minerais do Salitre (interpreta-se Patrocínio). Como as de Araxá, eram de domínio público. Mas, “assegura-se mais abundantes”. Em outro livro, Saint-Hilaire diz que o religioso Frei Leandro do Sacramento analisou essas águas. A respeito, o geólogo alemão Eschwege confirmou que as águas de Patrocínio eram mais fortes do que as de Araxá. Cheiro de enxofre, gosto de coisa podre e amarga. Por isso, Eschwege achava que Frei Leandro analisou essas águas minerais e foram aconselhadas por ele contra moléstias do fígado. O célebre químico Balard disse, também, que a composição das águas de Salitre (Patrocínio) eram iguais às águas sulfuretadas da Europa. Inclusive servia para moléstias cutâneas.
DESTAQUE AGRÍCOLA – Após, as montanhas de Serra do Salitre, é a vez da fazenda do Damaso, homem excelente e superior a todos os fazendeiros que vira, escreve o francês. Damaso lhe contou que essas terras convêm a todas as culturas. As produções destinavam-se a Paracatu. Já o algodão ia para o Rio de Janeiro, via Barbacena (até aqui por carros de boi). De Barbacena ao Rio por burros. Para se ter ideia, um carro de boi alugado custava 105 francos, de Patrocínio a Barbacena.
VIAGEM DE CINCO MESES, VIA PATROCÍNIO – Saint-Hilaire, quando chegava ao povoado de Patrocínio, encontrou uma grande caravana, que partira de Goiás rumo ao Rio. Essa viagem era feita somente uma vez por ano. Pois, eram cinco meses na ida, cinco meses de duração na volta. Algodão para lá, mercadorias para cá (Goiás).
CHEGADA A PATROCÍNIO – Arraial do Patrocínio ou Nossa Senhora do Patrocínio ou Salitre, assim escreve Saint-Hilaire. Segundo ele, o povoado situado sobre a crista de uma colina (hoje, Praça da Matriz). Há cerca de 40 casas pequenas, construídas de barro e madeira, cobertas de telhas e sem reboco. Dispostas em duas filas, formavam uma praça alongada, no meio da qual uma capela, também de madeira e barro. Saint-Hilaire escreve ainda que havia um vigário encomendado (de fora) e que Patrocínio era sucursal de Araxá. Ambos não eram municípios ainda.
PROSTITUTAS? – As casas praticamente pertenciam aos fazendeiros, que apenas aos domingos vinham das fazendas. Os demais habitantes eram alguns artífices, dois ou três pequenos mercadores (comerciantes), alguns ociosos (sem trabalho) e... mulheres públicas. Ou seja, prostitutas. Isso em 1819.
OUTRAS IMPRESSÕES DO FRANCÊS – Patrocinenses mais grosseiros do que os araxaenses. Passou à noite ao relento, devido a excessiva quantidade de bichos de pé na casa cedida (só no seu pé, 50 bichos foram retirados). Dia seguinte, rumo a Paracatu, chegou na Fazenda do Arruda, na Serra dos Dourados. Depois, Córrego Douradinho, o povoado de Campo Alegre (hoje, Santana). E, finalmente, o Rio Paranaíba e Paracatu. Então, mais capítulos à frente.
QUEM É – Augustin François César Saint-Hilaire nasceu em Orleães (França). Viveu 1779-1853. Colecionador de plantas, micologista, botânico, naturalista, pesquisador e escritor. Permaneceu no Brasil Colônia entre 1816 a 1822. Reuniu 30.000 amostras de plantas e espécies de animais. Comandou a missão do rei de França, Luís XVIII no Brasil. Visitou Rio, Espírito Santo, Minas, Goiás, São Paulo, o sul do País e Uruguai.
Primeira Coluna publicada na Gazeta, edição de 16/5/2020.