# Milton Magalhães

Como se fosse antigamente...

6 de Fevereiro de 2021 às 11:20

Fui ver a cara da rua, só então vi que chovia...antes de me assentar sob uma marquise, olho para as pessoas que passam, constatando que não conheço ninguém dos passantes, exceto o Costela, mas ele está olhando para outro lado, não posso cumprimentá-lo, me assento por ali. Sou daqueles que considera uma afronta, passar por um amigo e não soltar pelo menos um “tudo bem?" "Como vai?"

Entretanto a cidade cresceu demograficamente. Só o sr. IBGE é que não vê. Somos mais de 100 mil habitantes. 91.449 é conversa pra boi dormir.

Sou de um tempo em que se saia ás ruas, saudando as pessoas. Eram todos conhecidos. Hoje, bicho do céu! Ando pela Rui Barbosa, Presidente Vargas, Faria Pereira, vejo poucos semblantes familiares. Eu com esta mania de cumprimentar todo mundo, não conheço este, nunca vi aquele, aquele outro, que estranho, parece até de outro país e por ai vai.

Agora, tem uma coisa que preciso dizer. Pode acontecer de alguém me enviar uma saudação e ficar no vácuo. “Cara metido, esse Milton." Não, cego e distraído mesmo. Já falei que um dia confundi um hidrante com um cachorro. Cheguei perto, ri sozinho da cena.

Porém, quem tem uma filha que se chama Melva, enxerga mal por que quer. Portanto, Já fiz exame de vista e foi lá em UDIA, inclusive a oftalmologista dos olhos verdes que me atendeu, me deixou meio avexado. “ Vamos ver o que o senhor tem nos olhinhos”. "Abra os olhinho direito".

Era muito expressiva. E deve gostar muito do que faz. Final de expediente, me atendeu, com atenção e fineza. Sai de lá com uma receita. Alguém comprou os óculos pra mim.

Só que veio o velho coronavírus ( Alguém ainda chama isto de novo) e constatei que óculos e máscara não combinam

Meu bafo embaça a lente toda. Uma estrovenga.

Por enquanto, fico só com a “fucinheira” mesmo.

Bom. Tenho alguns minutos na hora do café em meu trabalho, conforme disse, ás vezes, vou ver a cara da rua para espairecer.

Hoje, no entanto, chovia... Chuva fina e fria..

Já que não conheço ninguém e ninguém me conhece, recorro ao celular, principalmente, para verificar , o obituário, não está fácil perder tanta gente querida para este coronavil...

Naquilo que tento acessar alguma informação, vejo que uma senhora para na minha frente. Olho pra ela, me cumprimenta. Ela fica por ali. Notei que queria conversar. Sou todo ouvido. Falo e ouço...

Falo a linguagem dela. Isto porque, tem gente que sabe conversar com um idoso, é uma lástima, pois só fala abobrinha. Só sabe tirar sarro nas pessoas, só sabe falar gírias. Prosa ruim. Trata a pessoas idosa como se fosse uma criança. Pior. Trata como se fosse invisível, ou um traste.

O que conversamos. Claro sobre a pandemia. Ela pede a Deus uma vacina, quer viver. Olho para seu rosto enquanto fala, acho que já é octogenária. As pernas lhe doi muito. O sapatilha parece que lhe aperta o pé. Sugiro que caminhe bem devagar.

Me fala que mora no Bairro Matinha, foi ao centro da cidade. Disseram que fosse de coletivo, mas ela está evitando aglomeração. Sabe das irresponsabilidades que rola:“ Viu estes baile fanks, todos sem máscaras. As pessoas mais velhas ficam trancadas em casa, eles vão lá buscar o bichinho”

Lembra de coisas que seu pai dizia. Anda acontecendo pior. “Viu aquela nuvem de gafanhoto lá no Sul?. Ainda bem que aquilo desviou pra lá. Imagina se ataca nossas lavouras. Essa doença terrível e ainda a fome”

Fico ouvindo-a, admirado. Ela não ficou com medo de mim...

Conversamos como dois conhecidos. Como se fazia antigamente, quando a cidade era pequena... Naquele tempo uma senhora podia parar e conversar com alguém na rua na certeza de que não se tratava de um ladrão. Uma menina/moça podia conversar com um respeitoso senhor, não era uma velho safado dos tantos que existem hoje.

Não marquei, mas talvez ficamos uns dez minutos um em frente do outro, ( Observando o distanciamento)

Ela se despediu, me deixou um “fica com Deus” (como antigamente) Desceu a rua com sua sombrinha colorida...

Chovia..

Me lembrei de Quintana:

“Sempre que chove, tudo faz tanto tempo... E qualquer poema que acaso eu escreva, vem sempre datado de 1779!”