# Milton Magalhães

Confabulações de um "Menino de Barra do Salitre"

14 de Julho de 2018 às 10:48

Vez por outra, lanço um olhar sobre minha sinuosa trilha de vida. É quando respiro fundo, em busca de leveza e aproveito para reiterar minhas convicções e valores. Depois que cinquentei, a vida, ficou bem mais doidinha, mais urgente. Tomou nova tonalidade, novo ritmo, nova perspectivas. Tarde aprendi que nada é por acaso, tudo é aprendizado e processo. Por dentro e por fora, mudo eu; muda o mundo. Sigo. Prossigo. Noto que ritos de passagem, vão ficando mais frequentes. Hoje as  dores demoram muito mais para sair do peito. Hoje passo muito mal na despedida de um parente ou amigo.  Aquilo lateja por meses a fio. Perdas frequentes fazem parte de minha agenda. Não era tanto assim. O tempo é verdugo inclemente, com ele não tem perdão. É bicho doido na ribanceira. Por mais que lute, o menino da “Barra do Salitre” vai se perdendo na névoa densa dos anos, já de difícil vislumbre.

Mas ainda aqui estamos, buscando a companhia de gente simples e querendo ser mais gentil comigo mesmo. Continuo no ringue, trabalhando, muito,  firme e feliz. Por falar em felicidade, dizem que ela é uma combinação do presente com o passado. Só que o presente dura tão pouco, mas tão pouco. Para ser mais exato: 03 segundos. Pesquisadores, afirmam que a cada 03 segundos, ele, o tempo, se torna passado.

A grande sacada é em que se apegar e do que se desapegar. Li sei lá onde, que os índios da tribo Dakota passam de geração a geração o seguinte ensinamento:Quando você descobre que está montando um cavalo morto, a melhor estratégia é desmontar”. Ninguém está dizendo que é fácil dominar a arte de dar as costas. Desapegar de algo, é dolorido.  Existe o tempo útil das coisas que a vida nos empresta... Preciso desta sabedoria. Preciso desta compreensão. Preciso desta serenidade... Virtudes que ainda não tenho..

Nesta altura da vida desejo ser mais humano, mais mais empático e mais solidário. Garimpo por aí o que me faz sentir um ser melhor. Há pouco li um exemplo de solidariedade que lacrimejou meu olhar. No Teatro Glauce Rocha, em Campo Grande, MS, os rapazes de uma turma de formandos, em Engenharia Ambiental, emocionaram os convidados ao aparecerem carecas na cerimônia de colação de grau. Era uma homenagem surpresa ao colega também sem cabelos, mas por consequência de uma quimioterapia. Michel, 24 anos, descobriu um tumor maligno no joelho. As aulas na faculdade já haviam terminado e só quando os colegas se reuniram para o ensaio da formatura confirmaram a doença e decidiu homenageá-lo, sem que ele soubesse.  Na noite do evento, o impacto com a entrada dos colegas sem cabelo ao chamado do cerimonial. Todos com sorriso aberto para Jaito, que retribuiu no mesmo tom e com serenidade. No discurso, a voz faltou várias vezes, mas a oradora da turma conseguiu dizer que “quando nossos filhos, no futuro, assistirem ao clipe e perguntarem por que todos estavam carecas, vamos dizer que foi para um amigo se sentir melhor, fazemos qualquer coisa”.

“O Velho e o Mar” foi um dos últimos livros do escritor americano, Ernest Hemingway. Alguns o consideram sua obra-prima, pois lhe rendeu o prêmio Pullitzer e foi decisivo para que o autor ganhasse o Prêmio Nobel. Com uma narrativa simples, Hemingway conta a história de Santiago, um cubano que se sentiu desafiado a voltar a pescar aos 84 anos de idade. Como passara a vida no mar, o velho queria provar seu vigor aos mais jovens. E como era conhecedor dos segredos do ofício, Santiago lançou-se numa empreitada audaciosa: fisgar o maior peixe de sua vida. Não foi fácil. Depois de amargar dias sem comer, quase cego pelo sol, finalmente pegou um peixe de mais de cinco metros. A batalha foi renhida, mas o velho perseverou e venceu. Amarrou o peixe morto no lado do barco e iniciou seu retorno. A volta, porém, foi decepcionante. Tubarões atacaram e comeram seu troféu – no caso, o peixe. Quando Santiago finalmente chegou na praia, só tinha um esqueleto para mostrar aos jovens. Seu projeto de vida havia se reduzido a nada.

“O Velho e o Mar” tornou-se um sucesso porque identificava o sentimento daqueles que chegam ao fim da vida carregando pesadamente nas costas a carcaça do objeto pelo qual batalharam a vida toda.

A história do pescador de Hemingway, liga o sinal de  alerta. Nada mais desalentador do que chegar à outra margem da vida... de mãos vazias.

Existir é estar lançado num universo de possibilidades, das quais sou impelido a escolher algumas, descartar outras e sem a certeza de que estou fazendo a escolha certa. Lá no final se vê o conjunto da obra.

Como  aprendo com o escritor Rubem Alves. Ao falecer em 19/07/2014, deixou, um documento escrito, com uma síntese  tocante:  “Sou grato pela minha vida. Não terei últimas palavras a dizer. As que tinha para dizer, disse durante a minha vida. Recebi Muito. Fui muito amado. Tive muitos amigos. Plantei árvores, fiz jardins. Construí fontes, escrevi livros. Tive filhos, viajei, experimentei a beleza, lutei pelos meus sonhos. Que mais pode um homem desejar? Procurei fazer aquilo que meu coração pedia.” Gostaria tanto, tanto de ter a fronte erguida desse jeito lá  no final dos meus dias.

Outro dia ouvindo uma discussão idiota sobre política, um cara metido a besta, desfazia do outro.Quanta ignorância.  Não sei se chegaram aos tapas por que deixei os dois e sai de perto.  A vida é muito superior a  isto. Nas palavras de Joseph Addison, entendemos um pouco da suprema tarefa que é viver:

“Quando olho para as tumbas dos grandes homens, qualquer resquício do sentimento de inveja morre dentro de mim; quando leio os epitáfios dos magníficos, todos os desejos desordenados desaparecem; quando me deparo com o sofrimento dos pais em um túmulo, meu coração se desmancha de compaixão; quando vejo a tumba dos próprios pais, lembro do quanto é vão chorarmos por aqueles a quem logo seguiremos; quando vejo reis colocados ao lado daqueles que os depuseram, quando medito sobre os espíritos antagônicos enterrados lado a lado, ou os homens sagrados que dividiram o mundo com suas discussões e contendas, medito, cheio de dor e surpresa, sobre a pequenez das disputas, facções e debates da humanidade. Quando leio as variadas datas dos túmulos, algumas recentes, outras de seiscentos anos atrás, penso no grande Dia no qual seremos todos contemporâneos, e faremos nossa aparição conjunta.”

Repito sempre.Se Deus me chamasse agora iria fazendo beicinho. Ainda quero, numa manhã destas, ir de trem de Belo Horizonte a Vitória. Preciso de muitas tardes e manhãs perfumadas para ficar  aos pés dos mestres,  Fernando Pessoa, Mário Quintana, Manuel de Barros, Drummond,  Machado de Assis, Manuel de Barros, Jorge Luiz Borges, Graciliano Ramos, Clarisse Lispector, Guimarães Rosa, Thiago de Mello, Fabrício Carpinejar, Affonso Romano de Sant’Anna, Rubem Braga, Adélia Prado.

No caminho do berço ao túmulo, sei que estou mais próximo do segundo. Nesta perspectiva, em tom de prece, atesto para todos os fins que viver tem sido um ofício bom. Devo saudar cada amanhecer como um prêmio singular e cada final de tarde, como dádiva única de Deus.

Se me permitem seguirei com o velho imperativo da mestra: “Nada do que vivemos tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas". (Cora Coralina)

OREMOS COM O POETA:"Ó Pai! Não deixes que façam de mim O que da pedra tu fizestes..."