Recordações. De um tempo que se foi. Porém, a atual velha guarda, a denominada terceira idade, vivenciou-as. Para essa turma, fatos de 50 a 70 anos atrás parecem que aconteceram ontem. Um ontem imensurável. Um ontem chamado também de outrora. Alguma coisa muito interessante pode ser destacada. São, então, as recordações de outrora. Como a atuação da Igreja Católica diante dos filmes em exibição, a celebração da Santa Missa, como o Ginásio Dom Lustosa lidava com a religiosidade dos alunos, o luto familiar quando falecia membro da família, o rádio e os costumes na sexta-feira da Paixão, palavras usuais e tantas lembranças que se tornaram indeléveis.
A IGREJA E (ATÉ) FILMES (PROIBIDOS) – Nos anos 50 e 60, havia a cotação legal (cívica), afixada nas entradas, dos dois cinemas da cidade (Cine Patrocínio e Cine Rosário), que era “filme para maiores de 18 anos, ou 14 anos, ou 10 anos ou livre”. Além dessa classificação, tinha a cotação de filmes da Igreja Católica, afixada na entrada principal da Igreja Matriz Nossa Senhora do Patrocínio. Referia-se aos filmes da semana. Essa cotação moral mostrava a rigidez da Igreja com o que ela entendia como sendo moralidade. Os filmes eram denominados assim: condenado (proibido para todos – era pecado assistir ao filme); prejudicial (só para adultos, mas com restrições); filmes para adultos (maiores de 18 anos, hoje, poderiam esses filmes serem comparados com as novelas de 18 horas); filme tolerável (muita restrição), e o filme livre (bichos e de crianças).
EXEMPLOS – “... E Deus Criou a Mulher” com a atriz francesa Brigitte Bardot foi um filme condenado (apenas insinuações e poucas cenas similares às novelas das 19h, hoje). “Marcelino, Pão e Vinho” é um filme livre com o espanhol Pablito Calvo. “Sissi, a Imperatriz” com Romy Schneider, filme infanto-juvenil puro, que foi cotado “para maiores de 14 anos”, pela Igreja.
MISSA – Até 1962/1965, a Santa Missa era celebrada em latim, com o sacerdote voltado para o altar e de costas para os fiéis. Apenas membros do clero participavam da celebração (mulheres não participavam). A comunhão, por exemplo, na Igreja Matriz era distribuída apenas por padres. Os fiéis ajoelhavam-se no murinho em volta do altar para receber a santa hóstia. E preferencialmente as mulheres ficavam do lado direito e os homens do lado esquerdo da Igreja. Também na entrada principal havia o aviso para as mulheres: saia justa e roupa decotada não eram permitidas.
AUSÊNCIA À MISSA: PECADO E NOTA BAIXA – Os alunos do Ginásio Dom Lustosa (só meninos) eram obrigados a irem à missa, às 8h, aos domingos e dias santos. O controle se realizava por meio da caderneta escolar (cada aluno possuía sua caderneta do ano que registrava a presença ou ausência diária às aulas e a missa aos domingos, além das notas em todas as matérias). No domingo, o aluno apresentava a caderneta a um aluno designado pelo diretor (Ademar Nunes, o denominado “Bagunça”, foi um desses alunos) na entrada da Igreja, antes do horário da missa. Durante a celebração, a caderneta era levada à sacristia onde recebia o carimbo “MISSA”. Na segunda-feira, o aluno que não tivesse esse carimbo na sua caderneta teria que apresentar atestado médico ou justificativa maior feita pelos pais, senão era suspenso de aulas ou teria pontos tirados nas provas mensais. Além de tudo isso, os alunos, na primeira sexta-feira de cada mês, eram obrigados a participar de culto religioso em frente a imagem de Cristo, no jardim central da escola, antes de serem iniciadas as aulas.
O LUTO – Quando alguém perdia familiar direto, por falecimento, após a missa de 7º dia, vestia todo de preto, por pelo menos um mês. Há casos de ocorrência anual. Os mais modernos colocavam uma fita preta na camisa ou no vestido.
RESPEITO À PAIXÃO DE CRISTO – Sexta-feira da Semana Santa era o dia para não fazer nada. As emissoras de rádio (a TV ainda engatinhava) apenas tocavam músicas clássicas. A Difusora não operava. A Rádio Nacional do Rio (a TV Globo de hoje), no lugar de suas novelas, apresentava episódios da vida e morte de Jesus durante o dia (como se fosse uma série). Dia de jejum, comer carne nem pensar, nem varrer casa podia. A procissão do Enterro (19h) tinha a participação de quase toda a cidade. Uma multidão com velas nas mãos.
PALAVRAS DE USO COMUM – Vamos comer “pelota”? Pelota é almôndega (carne). Naquele armazém tem “manteiga de leite”. Uai, precisava dizer “de leite”? Sim, pois “banha de porco”, gordura, era também denominada “manteiga”. “Pão sovado” parece que não existe mais. “Bolacha Maria”, “bolacha champanhe”, não seriam hoje biscoitos? Você está namorando aquele “biscate”? “Biscate” era moça fácil, topava tudo, sem ser prostituta. E quem namorava “biscate” era “biscateiro”. Preciso fazer uma “catira” com meu amigo. Explicando, “catira” é troca de mercadorias, troca de bens populares, praticamente se envolver dinheiro. E quem fazia “catira” era “catireiro” (relógio por rádio, botina por chapéu, roupas, etc.). Vicente Caldeira, que “tinha uma venda” (pequenino armazém que vendia pinga e cereais a quilo), à Rua Cassimiro Santos com Rua Bernardino Machado, e, José Mendes (servidor do Fórum), lideravam as “catiras”.
MAIS PALAVRAS HOJE EM DESUSO – “Carapina” é carpinteiro, é marceneiro. No futebol, às vezes o goleiro era denominado “arqueiro”, zagueiro era “beque” (do inglês back), e ainda “ponta-direita”, “centroavante”, “ponta-esquerda”, “alfos” (half), esse era o meio de campo. Você parece um “dorado”. Eram pessoas claras e aloiradas, geralmente andavam quase em fila indiana pelas ruas da cidade. Gostavam demais de rosca e a origem predominante era a região de Dourados e no então bairro Vila Constantino. Há versões que seus antepassados vieram da Europa (talvez, Hungria).
DIALETOS COMERCIAIS... – Na padaria encontrava-se “pão de sal”, “pão doce”, “pão sovado” e “rosca”. Mulher não entrava em bar... radiola tocava long-play (LP), compacto e 78 rotações (discos populares de vinil com duas músicas), e, sintonizava emissoras em ondas médias (AM) e curtas (nem havia o FM). “Guarda-livros” era o atual contador. E a escola de contabilidade era chamada de “Escola Técnico de Comércio”. Calça jeans era calça “Far-west”. Taxista chamava-se “chofer de praça”, rapaz bonito era um “pão” e moça bonita uma “uva”. “Mascate” era o vendedor ambulante, que ia de casa em casa, com a sua mala, vendendo roupas e colchas. Mulher não usava calça comprida, mas quando começou a usá-la, no final dos anos 60, a calça era denominada “eslaque” (slack). “Casimira”, “linho”, “brim”, “tergal“, seda” e outros termos no comércio de roupas. “Tempo de dentista prático” (sem formação acadêmica), como Modesto Teixeira e “rábula” (advogado sem ter ido à escola), como Benedito Caldeira.
ESSA ÉPOCA EXISTIU – Nos anos dourados era assim. Anos 50, 60 e parte de 70. Nos dias atuais tudo isso é tão somente mais um agradável retrato na parede. Vale recordar. E curtir.
([email protected]) *** Crônica também publicada na Gazeta de Patrocínio, edição de 27/11/2021.