Nasci com uma alma dançarina. Bem entendido. Eu disse a alma. Pois meu corpo, uma alavanca daquelas do Daepa, baila muito melhor. Acho que a torcida do meu CAP e a do meu Corinthians, concordam entre si, que é uma das expressões humanas artísticas mais antigas e mais importantes, é a dança. Veja esta escala. Depois da música, vem ela: a dança, depois a pintura, a escultura, o teatro, a literatura, o cinema, a fotografia...
A dança está tudo. Nas nuvens, na terra, na água, no fogo, no ar. Ela mexe com todos, até o pequenucho, lá no berço sacode o corpinho ao ouvir: “Bom dia! o Sol já nasceu lá na fazendinha”
E nada e ninguém dança com mais maestria do que a natureza. Alguém já observou as Palmeiras Imperiais de nossas praças e avenidas, dançando? Outro dia tomei um sorvete na Praça Santa Luzia, encantado com aquele espetáculo. Meu olhar ficou preso na cena. As folhas dos conqueiros bailam sob a batuta do maestro vento.
Não bastasse a beleza, a dança cura. Desenvolve a coordenação motora, agilidade, ritmo, percepção espacial e fortalece a musculatura. Também melhora a autoestima e cura de depressão. Vira estilo de vida. E como é bonito ver quem sabe dançar uma dança de salão, samba, rock and roll, um tango, uma salsa..
Não é o meu caso. Não superei a falta de habilidade, a lateralidade somou com a timidez. Era um festival de desencontros rítmicos no salão. Minhas parceiras iam para um lado, eu para outro. Claro, que faltou orientação, treino, disciplina...
Me lembro de minha mãe Luzia, dançando forró nos bales da roça, na minha Barra do Salitre, como dançava bem! Como aquela mulher sistemática que cuidava da cozinha, sabia rodopiar no salão. Como diz Roberto Carlos ao som de Dominguinhos. “São madrugadas que passaram e não voltam mais”
Se sinto falta, por gostar de dança e não saber dançar? Se tenho algum trauma mau resolvido? Se preciso fazer alguma terapia? De jeito nenhum.
E aqui é que está alma desta crônica: Nasci com a alma bailarina e a minha grande parceira de dança é a vida. Ela me chamou para dançar a um bom tempo. Desde então sigo de rosto coladinho com ela. As vezes ela pisa feio no meu pé, outras vezes piso feio no pé dela. Nesse tres pra lá e dois pra pra cá, segue o baile.
Somos seres de fácil nocaute diante da dor e dos problemas. Mas existe gente forte. Sabem dançar com a vida que chega a nos envergonhar. Essa gente dança sobre cacos de vidros. Está lá no livro: “Dançando sobre cacos de vidro”, que traz a escolha de aguentar, superar; ou se acovardar e fugir. E que lição! Lucy Houston e Mickey Chandler não deveriam se apaixonar. Os dois sofrem de doenças genéticas: Lucy tem um histórico familiar de câncer de mama muito agressivo e Mickey, um grave transtorno bipolar. No entanto, quando seus caminhos se cruzam, é impossível negar a atração entre eles. Contrariando toda a lógica que indicava que sua história não teria futuro, eles se casam e firmam – por escrito – um compromisso para fazer o relacionamento dar certo. “Lucy, todo casamento é uma dança: complicada às vezes, maravilhosa em outras. Na maior parte do tempo não acontece nada de extraordinário. Com Mickey, porém, haverá momentos em que vocês dançarão sobre cacos de vidro. Haverá sofrimento. Nesse caso, ou você fugirá ou aguentará firme até o pior passar.”
Deu pra ver que não se trata de uma “dancinha do TikTok”. É dançar com a vida no ritmo que vier. Uns dançam, assim sobre cacos de vidros, outros sobre cacos de vida.
Mesmo com a sensação que prossigo perdendo mais do que ganhando. Ainda acordo com um balé russo atuando no peito. Nasci assim. Meus pés pesam chumbo, mas minha alma “baila como se baila na tribo”
Danço com a vida quando ainda me encanta ver joaninhas brincando com gotas de orvalhos em rosa de pedras; Quando ainda acho “Mágico” o que o “Teatro” falou: “Borboletas parece flor, que o vento tirou para dançar”
Danço com a vida, mesmo com essa mistura esquisita de fim de ano com fim do mundo, alguma coisa ainda acende o meu sorriso.
Danço com a vida, quando sei que meus textos toscos, sem o minimo de pretensão literária, deixa gente em lágrimas por ai.
Danço com a vida, quando vejo que não perdi a afetividade da alma. Danço com a vida quando vejo que não perdi minha essência do sertão; minha identidade com a minha cidade e esse pouquinho de céu que trago em meu ser.
Ainda me flagro esperançoso, produtivo, feliz e em um relacionamento sério com a simplicidade, a delicadeza e a emoção boba.
A vida e eu. Eu e a vida, longe de ser um par perfeito, mas por favor, abram alas pra mim e ela por ai...