O tal relógio de areia que mede o tempo definitivamente endoideceu para o meu lado. A areia fina parece descer mais rápida agora, que cheguei ás 50 e tantas primaveras. Idade em que não preciso ser um expert em números para perceber o encurtamento de meu futuro, enquanto o meu passado vai se espichando, espichando, feito as sombras da torre da Igreja Matriz. Assusta a consciência de que cada minuto que passa grãozinhos descem pelo orifício do prosaico relógio de areia levando fragmentos de tudo o que sou, tudo o que tenho e mais amo.
Definitivamente, não quero brincar com o tempo, com a vida e com o amor. Já me dei mal o suficiente para entender que o jogo do lado de lá é sério. E “a corda quebra do lado mais fraco”. Outro dia ouvindo no YouTube, a música “Retrovisor” de Fagner, por curiosidade, li alguns comentários, abaixo do vídeo, um dos quais me chamou a atenção: “Essa música me faz lembrar uma garota lá de Pernambuco?, espero que tudo esteja sorrindo quando eu voltar, já se passaram mais de 20 anos...mas quem sabe” . Se eu conheço o destino - e eu conheço o destino - esta história tem tudo para dar errado. Pobre sonhador e aquelas mentiras que vamos contando para nós mesmos ao longo a da vida.
Não temos controle sobre o passado, muito menos sobre o futuro. Ora, não se negocia, nestes termos com o futuro. É tudo célere e dinâmico: “Ninguém entra no mesmo rio uma segunda vez, pois quando isto acontece já não se é mais o mesmo. Assim como as águas que já serão outras.”(Heráclito de Éfeso)
Na teoria falo nesse tom, mas na prática , no duro, ando na contramão do que acabo de dizer. Não posso negar que agora me pego vivendo com um pouco mais de pressa. Sei que é um clichê desbotado, mas é isto mesmo. Quero viver muito e não apenas existir. Materializar sonhos, enquanto tenho tempo, saúde e cuca boa. Se Papai do Céu me chamasse agora, chegaria lá em cima chutando tudo enquanto há. (Óbvio que isto é modo de dizer) Isto de chegar lá em cima bem na fita, juro que gostaria de aprender com o altruísmo de Rubem Alves. Ao falecer em 19/07/2014, o escritor, deixou, um documento escrito, com uma síntese tocante: “Sou grato pela minha vida. Não terei últimas palavras a dizer. As que tinha para dizer, disse durante a minha vida. Recebi Muito. Fui muito amado. Tive muitos amigos. Plantei árvores, fiz jardins. Construí fontes, escrevi livros. Tive filhos, viajei, experimentei a beleza, lutei pelos meus sonhos. Que mais pode um homem desejar? Procurei fazer aquilo que meu coração pedia.” Gostaria tanto de ter a fronte erguida desse jeito lá no fim da linha. Posso não conseguir, mas é a minha meta.
Por dentro e por fora, vou mudando e luto para que seja sempre para melhores estágios. Na idéia de transitoriedade da vida, tenho me percebido um novo homem. Não este tido e havido como “novo macho”, “domesticação masculina”, tema que tem ganhado capas de influentes revistas. Nada disto. É talvez um novo ciclo. Algo que não sei definir bem, mas, sei que substitui a busca insana por bens tangíveis; é algo mais do que a mera busca dos prazeres dos sentidos; é um sentir-se bem, sem a luta tirana para ser o “bam-bam-bam” do pedaço. Mesmo tendo muito o que dizer, hoje, não quero mais aquela última palavra da roda - e olha que já fui bom de turra, já pratiquei Karatê, pra me sair bem por ai - Hoje, divido, ou até cedo, numa boa o meu lugar aos adversários num pódio. Tranquilo, sereno, o que quero da vida, é ver á minha volta um montão de gente feliz. Obiamente se inclui minha familia, meus amigos e nosotros a cá.
Aprendo com Lya Luft, que: “A vida é maravilhosa, mesmo quando dolorida. Eu gostaria que na correria da época atual a gente pudesse se permitir, criar, uma pequena ilha de contemplação, de autocontemplação, de onde se pudesse ver melhor todas as coisas: com mais generosidade, mais otimismo, mais respeito, mais silêncio, mais prazer. Mais senso da própria dignidade, não importando idade, dinheiro, cor, posição, crença. Não importando nada”
Prossigo sendo um coletor de lições da natureza. Até o asqueroso bicho-da-seda – que é a larva de uma mariposa- tem lições pra mim. Quando nasce mede cerca de 2,5 mm de comprimento. Durante 42 dias alimenta-se sem parar, de folhas de amoreira e sofre quatro metamorfoses. Quando atinge o tamanho de 5 cm, começa então a tecer um casulo branco e brilhante, composto por um único fio. Com um movimento geométrico infinito, em torno de seu próprio corpo, após três dias de trabalho, estará envolta em um casulo confeccionado por um fio de aproximadamente 1200 metros. Se for deixada em paz... Em 12 dias se transformará numa... linda borboleta.
Só tenho um fio. Um único fio: Minha vida. E sou também um artesão do meu próprio destino. Enquanto “vou fazendo com o meu braço o meu viver”, o mundo ao meu redor não para. É vida corrida. Sinto-me uma testemunha privilegiada, ou estarrecida, de tantos eventos. Nos últimos 50 anos, passou pelo mundo e por mim, (enquanto urdia a minha sorte) a guerra do Vietnã, a queda do muro de Berlim, o assassinato de John F. Kennedy, o assassinato de Martin Luther King Jr, a execução de Che Guevara, o homem chegou a lua. O fim da guerra fria, a guerra do Golfo, a tirania de Idi Amim Dada, prisão, liberdade e morte de Nelson Mandela, caso Watergate. Surgiu (e já celebrou mais de 50 anos) a nossa Bossa Nova, os “Meninos de Liverpool”, a nossa Tropicália, a Discoteca, o Woodstock, teve início o Campeonato Brasileiro, Mineirão assoprou 50 velhinhas. O estilo hippie, o termo unissex, a pílula anticoncepcional, queimaram sutiã em praça pública. O atentado terrorista às Torres Gêmeas. A Democracia voltou e já querem a Ditadura novamente.
Nós últimos 50 anos, passou pelo mundo e por mim, enquanto urdia a minha sorte, a morte de Tancredo Neves, a morte de Ayrton Senna da Silva, Ariano Suassuna, João Ubaldo Ribeiro, Rubem Alves, Dominguinhos, Jair Rodrigues, José Rico, Inezita Barroso, Antônio Abujamra, Cristiano Araújo, Betty Lago,Tônia Carreiro, Dona Ivone Lara, Angela Maria, Carlos Heitor Cony. A eleição e reeleição do primeiro operário a Presidência da República Brasileira; (e a prisão deste) a eleição, reeleição e o impeachment da primeira Mulher na Presidência. Golpe do presidente “El Vampirão” Temer e a camapanha com direito a facada e eleição do Capitão Bolsonaro.
Nós últimos 50 anos, passou pela minha cidade e por mim, enquanto urdia a minha sorte, empresas como a Saiasi (meu primeiro emprego), Fama, Hotel Serra Negra, Minasilk, Pitter, Garcafé, Cine Rosário, Cine Patrocínio, Casas dos Calçados do Abrão, Casas Manuel Nunes, Serviços Gráficos SA...
Nós últimos 50 anos, passou pela minha cidade e por mim, enquanto urdia a minha sorte, personalidades como, Dr. Michel Wadhy, Sr Sebastião Eloi, Dr Renato Cardoso, Dr Hélio Furtado, Sr Manuel Nunes, Pedro Alves do Nascimento, Dr. Olímpio Garcia, Profº Afrânio Amaral, Geraldo Tuniquinho, Dr Alaor de Paiva, Pedro Rodrigues Pereira, Dr. José Figueiredo, Dr Abdias, Véio do Didino, Dr. Saul Andrade , Maurício Roza, Profº Hugo Machado, Jeorge Elias, Sr. Joãozinho da Estação, Profª Lirinha, Sr Diolando Rabelo, Lincoln Machado, Vera Nunes, Maria Alves, Sesostres Pedro, Marlenísio Ferreira, Geraldo de Oliveira, Dona Lica, Radialista Roberto Taylor, Dr Edgard Andrade Rocha, Profª Conceição Eloi, Profª Marta Eloi, Darlene Ferreira, Marcelino Marques Araújo, Elias Abrão Neto, João Fernandes dos Santos, Valdete, minha vizinha. Meu Avô, minha Avó, minha mãe, meu Pai, meu tio Amiro, tia Marieta, padrinho Sebastião, madrinha Fiota, tio Adolfo, tia Natália, tio Darico, tia Luiza..Primos, Vânia, Eurípedes, Nicinha, Sidney; cunhado, Joaquim Maurício, sobrinha Lilian e recentemente,sobrinha Kajeane.
Borboletas apressadas que se mudaram para o jardim superior...
Mas, enquanto o céu não vem, aqui estou e como diz a canção de Vander Lee, cantor e compositor que também já se foi aos 50 anos, em 05 de agosto de 2016: "Matando a sede na correnteza da vida Regando de amor cada despedida Amanheceu e è preciso seguir em frente Há um mundo esperando a gente Não tem saìda" Com toda aspereza do meu cotidiano, mudanças, tanta energia deixada no trabalho, tenho metas: Enquanto estiver em mim, não vou perder a doçura original de minha alma e lutarei com denodo para não perder a afetividade que flui cristalina do meu coração. Como diz, Gondim, adestrando o olhar para a ternura e singeleza: “...Nessa ambiguidade, desejo perceber beleza. Não quero ser indiferente à simplicidade das crianças que se beijam roçando o nariz duas vezes, ao altruísmo de quem ousa abrigar a prostituta enferma, ao empenho do enfermeiro que faz serão ao lado do moribundo, à resiliência da mulher que lava o marido que padece de Alzheimer, à doçura da filha que empurra a cadeira de rodas da mãe pelo parque”
Enquanto o céu não vem, continuo firme no ringue do cotidiano, escrevendo a minha história..