# Eustáquio Amaral

EXEMPLAR POLÍTICO DE PATROCÍNIO É LENDA; É INESQUECÍVEL                                               

4 de Outubro de 2020 às 18:49

                                      

   

Política. A boa pode ser materializada em uma pessoa. E essa saudável política ainda pode ser aliada ao folclore e à popularidade. Em Patrocínio, existiu esse indelével personagem. Amou sua terra natal como ninguém. Apontado por esta coluna, consagrou-se como o vereador do século XX, do Município. Abdias Alves Nunes é o patrocinense que foi vereador por seis mandatos, presidente da Câmara Municipal em dois mandatos, educador, dentista, construtor e tesoureiro da Santa Casa.

 

  • PERFIL – Inteligente, após passar pelo Ginásio Dom Lustosa, Abdias graduou-se na Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG em Odontologia, na década de 40. Nos meados dos anos 50, construiu sua residência na Praça Honorato Borges, onde também era o seu gabinete de cirurgião-dentista (hoje, é residência de sua sobrinha Dulce Nunes Castro).

  

  • TAMBÉM TINHA SANGUE POLÍTICO – Por volta de 1946, Abdias Alves, juntamente, com os seus amigos, participou da fundação do lendário PSD de JK e Alkmim na cidade (nada tem a ver com o atual PSD). Pelo partido, logo em seguida, cumpriu o seu primeiro mandato na Câmara Municipal, de 1947 a 1950. Nessa oportunidade, o presidente foi o médico pessedista Amir Amaral, que acabara de exercer o seu primeiro mandato de prefeito. Sucessivamente, os outros cinco mandatos de Abdias ocorreram de 1951-1954, 1955-1958, 1963-1966, 1967-1970 e 1971-1976. No mandato de 1955-1958 foi o presidente da Câmara. E no de 1963-1966, a presidência teve dois períodos, ambos sob o comando do PSD: Abdias Alves Nunes e advogado Hélio Furtado de Oliveira.

 

  • VIAGENS DE ABDIAS – Como amigo e confrade de JK, Tancredo e, principalmente, de José Maria Alkmim, o vereador pessedista era presença constante nos gabinetes da capital. Sempre se deslocava com recursos do próprio bolso. À época, não existiam diárias no serviço público municipal. Tanto é que o prefeito Amir Amaral também viajava no seu carro “Baratinha” (Chevrolet 1940, importado), às suas expensas. Já Abdias tinha preferência pelo trem da Rede Mineira de Viação, e, posteriormente pelo Expresso União, em rodovia só de poeira ou lama. Nesse caso, foi companheiro de viagem deste cronista, diversas vezes. Quando retornava à cidade, trazia novidades e benefícios. Abdias trabalhava por Patrocínio unicamente porque amava Patrocínio.

 

  • ALÉM DA POLÍTICA... – Embora político, Abdias possuía atividades econômicas e sociais. Dentista com gabinete à Praça Honorato Borges, depois Rua Marechal Floriano. Inúmeros pacientes, inclusive este escriba nos anos 50. Construtor de casas para comercialização (venda). E a atividade mais nobre: educador.

 

  • GLORIOSA PASSAGEM ESCOLAR – Abdias Alves Nunes e Amir Amaral (prefeito) foram os principais responsáveis pela criação do Colégio Professor Olímpio dos Santos. Segundo Abdias, o objetivo dessa escola seria propiciar estudo ao aluno de família com menor poder aquisitivo e ao aluno que trabalhasse durante o dia. Ensino gratuito. Portanto, visão de um estadista. Na década de 50, na sua fase inicial, o Colégio funcionava apenas à noite, nas salas de aula do então Grupo Escolar Honorato Borges. Tudo isso porque o emblemático Ginásio Dom Lustosa era pago. Ou seja, exigia melhor poder aquisitivo dos alunos e as aulas eram somente pela manhã.

 

  • SAGA EDUCACIONAL – Abdias foi professor e diretor do Colégio em duas oportunidades. Participou da implantação do hoje Ensino Médio em Patrocínio, por meio do curso denominado “Científico” em 1960. Até 1963, entretanto, somente existiam o 1º e o 2º ano. O 3º ano foi implantado nos meados daquela década. Também desde a criação da escola, havia o curso “Comércio”, destinado a formar técnicos em contabilidade.

 

  • JUSCELINO NO CAMINHO... – A lendária história do PTC em troca de jabuticaba teve a participação de Abdias. Segundo Tânia Elói, a comitiva que se deslocou da Escola Normal até à casa de seu pai (Hélio Elói) sob a liderança de JK, era formada pela família Elói, Natinho (desportista) e vereador Abdias Alves, no seu segundo mandato (1951-1954), amigo de Kubitschek.

 

  • CASO DOS PALETÓS – Pela sua singular maneira de ser, escreveu algumas páginas no folclore rangeliano. Segundo a narrativa popular, Abdias tinha uma vida dinâmica. O que é verdade. Faltava-lhe tempo. Por isso, havia o paletó para ir ao Colégio, o paletó de ir à Câmara, o paletó das construções/obras e o paletó para as viagens. Ele lidava com inúmeros assuntos e pessoas, das quais colecionava bilhetes, recados e pedidos. Para não ser surpreendido, conforme a voz popular, Abdias achava mais fácil trocar o paletó. Assim, um paletó por assunto. Um paletó para cada ocasião (devido os bolsos abrigarem as suas anotações, com muitos rabiscos).

 

  • LIÇÃO PARA ENFRENTAR ADVERSIDADE – Em 1958, o PSD constituiu a chapa para disputar as eleições municipais. Dr. José Figueiredo foi o candidato a prefeito. Abdias Alves a vice-prefeito. Entretanto, a vitória coube à UDN. Enéas Aguiar tornou-se o primeiro prefeito eleito pela UDN (ótimo prefeito) e Benedito Romão de Melo foi o vice-prefeito. Figueiredo e Abdias aceitaram a derrota com altivez. Tanto é que na eleição seguinte (1963-1966) foi eleito vereador, outra vez. E, com o pessedista Hélio Furtado de Oliveira, foi o presidente da Câmara naquele mandato. Mais tarde, Dr. José Figueiredo, em 1989-1992, foi vice-prefeito do prefeito Silas Brasileiro.

 

  • MAU NO VOLANTE... – Era comum vê-lo dirigindo o seu Fusquinha azul, na década de 60, pelas ruas da cidade. Ao avistar alguém que ele desejava conversar, parava o carro no meio da rua e ia ao encontro da pessoa, sem se preocupar que o Fusquinha estava obstruindo a passagem. Por isso, nos anos 60 e 70, quando alguém estacionava mal, logo era chamado de “Abdias”.

 

  • CAVALO NA ESCOLA – Final dos anos 60. Noite de quarta-feira. O majestoso Cine Patrocínio exibiria filme imperdível. Uma turma do Colégio          Olímpio dos Santos almejava ir ao cinema. Mas, faltava uma razão para não ter aula. Pensaram... e três alunos dessa turma foram ao pasto do Umbrolino (proprietário da chácara em volta da escola e do PTC) e trouxeram um cavalo que lá pastava. Colocaram o animal dentro da sala de aula. Com isso, acharam que o professor (e diretor) Abdias iria suspender a aula. Enganaram-se. Com a sua paciência peculiar, o mestre chegou e habilmente retirou o cavalo. A aula aconteceu normalmente. Os alunos perderam o filme, porém escreveram uma página de suas vidas junto a um mito rangeliano (José Eustáquio Santos, 72 anos, é um desses privilegiados alunos).

 

  • ETERNO – No dia 26 de julho de 1981, faleceu Abdias Alves Nunes. Idealista. Honesto. Batalhador pela cidade sem nenhum interesse particular. Deixou história. Deixou legado ético. Era casado com a professora Célia Aquino Nunes e pai de Tomaz Eustáquio Aquino Nunes (hoje, empresário). Abdias, filho de Manuel Nunes, criador das Casas Manuel Nunes (e de dona Violeta, participante nos acolhimentos de Padre Eustáquio e JK, em Patrocínio). E tio da cronista Mônica Othero. Ave, Abdias!

 

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