Imaginação. O Brasil é a amada pátria. Se fosse possível ao cidadão, à comunidade, escolher a sua terra-mãe adotiva, muitas cidades brasileiras a teriam. Para isso, o sul do País é um belo exemplo. Por aqui, nossa querida Patrocínio também teria. E tem. Não por razões de descendência, de origem. E sim, por razões de ensino educacional e fé. Sem dúvida, os Países Baixos, ou simplesmente Holanda, tem quesitos para ser o torrão adotivo dos rangelianos. A presença de holandeses em Patrocínio, por mais de seis décadas, explica esta tese. A mais glamorosa escola da história patrocinense, Ginásio Dom Lustosa, e, a primeira e única paróquia do Município por um século e meio, Nossa Senhora do Patrocínio, documentam os neerlandeses na cidade.
O COMEÇO – Na visão de Antônio de Almeida Lustosa, bispo de Uberaba, na década de 20, Patrocínio estava sob a ameaça de outras crenças. E haveria sérias consequências de se consentir que se ensinassem aos filhos de Patrocínio o credo de Lutero, a crença de Calvino. Em 1925, quando em visita a cidade (pertencente à sua Diocese), D. Lustosa colocou em prática seu desejo de fundar aqui educandários católicos destinados a ambos os sexos. Para tanto, organizou uma comissão que se comprometeu a arranjar o prédio para a instalação da primeira escola. A comissão era formada pelos coronéis (termo usado na época) João Cândido de Aguiar, Tobias Machado, Elmiro Alves, Nelson Queiroz, José Pedro de Paiva e Joaquim Cardoso Naves. Por conta do bispo ficou a procura de uma congregação religiosa para dirigi-la. O bispo Dom Lustosa de Uberaba foi para o Ceará, onde seu trabalho pastoral está o levando também à beatificação pela Igreja.
PRIMEIRO PASSO: PADRE EUSTÁQUIO – D. Lustosa sabia que deveria ser um forte e determinado grupo católico para enfrentar o credo presbiteriano, ligado aos Estados Unidos. Como a Congregação dos Sagrados Corações de Jesus e de Maria (origem francesa) tinha o perfil desejado e apenas uma residência no Brasil, no Santuário de Água Suja (Romaria). O convite assim foi feito. Como resultado, em 1926, aconteceu um congresso na cidade. Na oportunidade, Padre Eustáquio van Lieshout, em nome da Congregação, assinara o contrato de doação do prédio, comprado do coronel Marciano Pires. Logo em seguida, chegaram Padre Gil van Boogaart e Padre Matias van Rooij para instalarem o colégio. Esse prédio, então com tamanho menor, situava-se no mesmo local atual (Rua Afonso Pena).
PRIMEIRAS AULAS – Em 15 de fevereiro de 1927, com 57 alunos, começou a funcionar o Ginásio Dom Lustosa. O corpo docente era formado por Padre Matias, Padre Filiberto Braun, Padre Agostinho van Velsen e Padre Damião Klevercamp, holandeses, e os professores José Bento e Aguinaldo Botelho.
CONTINUARAM VINDO – Desde 1925, quando o navio Orânia trouxe os Padres Norberto, Gil, Eustáquio e Matias, mais holandeses chegaram para as suas casas de Água Suja, Araguari, Patrocínio e posteriormente, Niterói. Especificamente, para o colégio D. Lustosa vieram Padre Suitberto Mooy (1928), Padre Leonardo Driessen (1929), Padre Roberto Kraouhman (1930), Padre Adalberto van Velsen (1930), Padre Ansfrido van Ven (1931), Padre Ambrósio Smits (1931), Padre Martinho van Berke, Padre Canísio e Padre Caprázio Franken, esse o mais patrocinense dos holandeses. Felizmente, tornou-se lenda de Patrocínio. Faleceu em fevereiro de 2004.
EXPRESSÃO DE QUALIDADE – De 1927 a 1960, o Ginásio D. Lustosa formou a base de maior sucesso da comunidade patrocinense. A começar pelos seus primeiros bacharéis: Aguinaldo Sérvulo Botelho (saudoso professor da UFMG), Alaor Porto Adjuto, José de Faria Tavares (deputado, senador e professor), Carlos de Faria Tavares (deputado), Olavo de Paula Arantes, Deiró Eunápio Borges (renomado jurista) e Rui Elói dos Santos. O alicerce da atual sociedade patrocinense foi fincado pelos aproximadamente 50 holandeses do D. Lustosa. Não há dúvida.
FIM DA ADMINISTRAÇÃO COR LARANJA – Em 1959, a Congregação dos Padres dos Sagrados Corações fez renovação do corpo docente do Ginásio Dom Lustosa. A escola recebeu padre Venâncio Hulselmans, que tinha passado por ela de 1934 a 1938, quando fundara o jornal “O Ideal”. Padre Nicácio Van Diepen, padre Otto (vindo de Pindamonhangaba) e padre José (natural do Paraná). Padre Venâncio tornou-se o último diretor do D. Lustosa, pertencente aos S.S.C.C. (1959-60). Sobre a altura do padre Otto o Ideal diz, em uma de suas edições: “... melhor recepção que teve foi uma cabeçada no portal de entrada...” Nessa ocasião, saem do educandário: padre Melchior (ex-diretor) e padre Reginaldo.
RELIGIÃO – Durante quase 60 anos, o pastor maior da Igreja Católica de Patrocínio (vigário paroquial) também foi holandês. De 1931 a 1933, Padre Matias inaugurou a dinastia, da qual participaram ainda Padre Damião Klevercamp (1933-1939), Padre Lamberto Verrijt (1939-1940 e 1957-1967), Padre Agostinho Van Velsen (1940-1946), Padre Constâncio Bokepoh (1946-1951), Padre Nicácio van Diepen (1951-1956), Padre Bertrando Lindeman (1967-1980) e Padre Pio Haarman (1981 à década de 90).
CELEBRIDADES EDUCACIONAIS – Padres e professores como Padre Melchior (diretor nos anos 50), Padre Otto, Padre Bertoldo (o mestre em francês), Padre Venâncio (último diretor holandês), Padre Wiliboro (anos 40, sepultado na Igreja Matriz), Padre Ludovico (diretor), Padre Geraldo, Padre Boaventura, Padre Humberto, Padre Donato, Padre Estevam, Padre Reginaldo, Padre Tiago (diretor), Padre Antonino (diretor em 1958), Padre Daniel e Padre Feliciano (autor da bandeira do colégio) jamais poderão ser esquecidos.
CAMISA 10 – Além de ser o padre que formalizou a organização do colégio, foi capelão da Igreja Santa Luzia, de 13/10/1941 a 12/2/1942. Posteriormente, esse holandês mudou-se para Belo Horizonte, onde realizou milagres e faleceu em 30/8/1943. Padre Eustáquio é beato desde 15 de junho de 2006. Ele poderá ser o primeiro santo que Patrocínio conheceu.
ETERNAMENTE – Patrocínio é grata à Holanda. Como está escrito na bandeira do Ginásio Dom Lustosa (hoje, Escola Estadual Dom Lustosa) “SUB UMBRA ALARUM TUARUM”, ou seja, “Sob a sombra das tuas asas”, oito gerações de patrocinenses aprenderam e foram protegidas. Nessa escola e paróquia nasceram gerações vitoriosas de Patrocínio para o mundo.
Este autor da crônica foi aluno do então Ginásio Dom Lustosa no período 1958-61, época do crepúsculo da gestão escolar e cultural holandesa na região.
Primeira Coluna publicada na Gazeta, edição de 30/11/2019.