# Milton Magalhães

Ipê: A Arte de Florir...no Inverno

11 de Julho de 2016 às 22:17

(Martins Mundim, próximo à Gráfica A3) Mesmo que a letra da magistral canção de Almir Sater, reafirma: "É preciso a chuva para florir." Os Ipês, no entanto, necessitam  do frio para sorrir. E que   florada! De uma hora para outra ela surge.  Até  o  ente  distraído,  se pega  no olhar encantado. Magia de um instante que vale uma vida.   Nenhuma outra árvore foi tão decantada em verso e prosa. Quantas poesias, músicas, contos,  sonetos e quadros.  Encantou até políticos.  Em 1961, o então presidente Jânio Quadros declarou o Pau-Brasil a Árvore Nacional e - ele- o Ipê Amarelo, da espécie Tabebuia vellosoi,  "a Flor Nacional"

"Gosto dos ipês de forma especial. " -Dizia-nos o entendido, Rubem Alves- "Questão de afinidade. Alegram-se em fazer as coisas ao contrário. As outras árvores fazem o que é normal - abrem-se para o amor na primavera, quando o clima é ameno e o verão está prá chegar, com seu calor e chuvas. O ipê faz amor justo quando o inverno chega, e a sua copa florida é uma despudorada e triunfante exaltação do cio."

Eles são o que há de mais belo, poético, bucólico, resiliente, pedagógico, místico  e transcendente  na natureza. Precisamente quando o vergel se torna pardacento devido ao rigor do  outono/inverno,  os Ipês aparecem, contra a regra geral, emprestando  sorriso  e encantamento ao meio...

O Ipê rosa e o Ipê roxo (que muitas vezes se confundem) são os primeiros a florir. Sua florada inicia-se em junho e dura até agosto ou setembro. O ipê branco,  cujas flores duram em média 4 dias (quando não menos), normalmente florescem de agosto a outubro. E o ipê amarelo, com suas flores cor de ouro, geralmente inicia sua florada no final de agosto.

Não é só um rostinho bonito. O Ipê é Madeira de Lei, usada em obras externas como mourões, pontes e dormentes; na construção civil como vigas, caibros e assoalhos; em instrumentos musicais e na confecção de carrocerias e bengalas, bem como de objetos esportivos como bolas de bocha e boliche. È conhecida também como  "árvore divina" por suas propriedades curativas. Sua casca e folhas há substâncias que auxiliam no combate de algumas doenças de pele, asmas, alergias, infecções e até certos cânceres.

Não sei se é a idade, mas comecei a ver a natureza com suas eloqüentes lições de vida. Na sua sina, quanta coisa o Ipê, nos ensina. È uma planta decídua, ou seja, uma espécie de  ‘planta-fenix',  perdem suas folhas em determinada estação do ano,  em seguida nascem as exuberantes flores o senso comum. Aprendo aqui que, de forma rara, mas existe gente com este - digamos- dom:  "Deciduidade" característica do que perde suas folhas, mas, ainda assim, floresce.

Na cena do filme  "Titanic,"  surge uma destas "pessoas com a alma de ipê"  O transatlântico, naufragava. Mulheres e crianças da primeira classe embarcavam nos botes salva-vidas, o aglomerado se formava, pessoas pulavam no mar tentando se agarrar em algo que desse esperança de sobreviver. Os componentes da orquestra contemplam pessoas se afogando, outros gritando por terem perdido seu entes, uma mãe pula no mar com uma criança de colo, e neste momento o violinista (gente da estirpe dos Ipês) com os olhos cheios de lágrimas, encontrou forças sabe-se lá onde. Começa a tocar aquela que seria sua ultima melodia  "Nearer, My God, To Thee"  (Mais perto quero estar meu Deus).

Há até uma lenda que conta a origem do ipê. Ela diz o seguinte:

-"Naqueles tempos, o inverno estava nos seus últimos dias e todas as árvores da floresta estavam começando a florescer. Somente os ipês continuavam sem flores. Os ipês, cada vez mais se entristeciam com aquela situação. Eles eram os únicos que não tinham nem flores nem frutos. Então, os amarelos canários da terra, percebendo a tristeza dos ipês, resolveram fazer seus ninhos somente nos galhos de um dos ipês. E ninhais também foram feitos pelas araras vermelhas e azuis e os sanhaços em outro; as garças brancas em outro, as siaciras em outro, e num outro ipê menos imponente, foram os periquitos, jandaias, maritacas e papagaios.

 Os ipês ficaram muito felizes e resolveram pedir à Providência Divina que lhes dessem flores, como forma de agradecimento aos canários da terra e a todos os outros pássaros da floresta, pela alegria que tinham levado a eles. No dia seguinte, dizem; sob o mais belo céu azul que aqueles sertões já conheceram, os ipês floresceram em várias cores. Cada um dos ipês se vestiu nas cores e matizes dos pássaros que os havia adotado. Quando tudo isso aconteceu, dizem, era agosto".

E assim, desde então, os ipês têm florescidos em agosto. Agora, a cada agosto, um vento frio sopra desde os sertões do Brasil: é a Providência Divina anunciando que ainda mais uma vez os ipês florescerão, cumprindo a aliança entre Deus e a Natureza. As cores dos ipês são, portanto, expressão de um milagre do amor de Deus pela natureza e pelos seres que vivem na Terra".

O que dizer das lições de resiliência   dos  Ipês. Devem  ter mesmo "parte com Deus".  Na  cidade de Porto Velho em Rondônia, uma árvore se impôs a tirania humana. Este Ipê  Amarelo (Foto)  foi derrubado para dar suporte aos fios elétricos, se transformou em um poste-árvore. A rede elétrica foi transferida para um poste ao lado, deixando o Ipê livre dos fios pertinentes. Na imagem abaixo, a  força interior do referido poste-ipê.

 Pois, bem. Na  cidade em que eu  for prefeito, prometo duas coisas. Pronto? A Biblioteca Pública vai ganhar um prédio a la Niemeyer no centro nobre da cidade. E na entrada  da cidade, nas principais avenidas, um cinematográfico corredor de Ipês. O chão não será varrido, nesta época do ano, e duvido que o visitante  será  um ser medíocre ao pisar um tapete, amarelo, roxos, rosas e branco. Receberá um arrebatante batismo de poesia.

 Isto porque o chão da  realidade é outro.  Uma das árvores mais bonitas em paisagismo urbano, há pouquíssimos exemplares em nossa cidade.

Os  Ipês são necessários para lembrar as  pessoas,  que levam  a vida sem leveza. Pensam que viverão para sempre? As flores dos Ipês  nos fazem pensar que a vida é tão delicada e efêmera. Apesar de toda aparência, do berço ao túmulo, não somos mais do que uma flor de Ipê.