Acordo ás 4:29. A matina mescla som e silêncio. Os passarinhos ainda dormem em meu quintal. Daqui há pouco um bem -ti -vi, que encasquetou de ser meu despertador, começa: “miiiiton tá na hora de irrrr, tá na hora de irrrr”. Galos cantam ao longe. Me lembro de “Música ao longe” obra de Érico Veríssimo. Não sei explicar a lembrança. Deve ser uma espécie de “Som da Memória” diria Luiz Antônio Costa...
O Trem de Ferro cruza a cidade apitando, acho que em Sol Sustenido ou Lá Bemol, se perde na distância...Revivo Raulzito: “A frieza do relógio não compete com a quentura do meu coração. Bom dia sol”. Nem era um dia, era uma jazida de ouro que recebia.
Não adianta tergiversar, borboletas revoam em meu estômago. Coração e cabeça a mil: MEU DIA DA PRIMEIRA DOSE DA VACINA, CHEGOU!
“ Idosos de 60 anos. De 8h ás 14h . Policlínica. “Sistema Drive-Thru” , a Agente de Saúde de nosso bairro, Renata, solícita, me avisa um dia antes pelo Zap. É a primeira vez que sou chamado oficialmente de idoso. Estou igual um elefante numa casa de louça diante desta fase da vida. ( Embora o marco referencial passou para 65 anos, para efeito de aposentadoria) de qualquer forma acabo de deixar a meia-idade: 45 a 59 anos.
Meu filho, André, com a veia humorística do avô, não ia perder a piada: “Idoso é foda hein pai?”
Foda não, may son, fodaço. E altolá. Idoso, sim. Para não chegar aqui, era só ter morrido na juventude. Tô fora. Idoso, sim. Velho, não. Ancião é o cacete. Melhor idade? Segundo Ruy Castro, “é algo entre os 60 e a morte”. Terceira idade? Ninguém fala na quarta, na quinta, na sexta idade. Conclui-se que é a última.
“você se lembra da minha voz? Continua a mesma, mas os meus cabelos? Quanta diferença!” Se você se lembra desta peça do xampu Colorama, voce chegou nos 40/50. Ponha o rabo entre as pernas. Ponha a viola no saco, que de novinho voce não tem nada. Só para lembrar, meus cabelos continua pretos. A quantas anda as suas madeixas meu coetâneo amigo?
“Drive-thru”, “delivery”, “lockdown”, ”home office”, “live”, nós mineiros sofremos com estes termos chics da pandemia. Eu por exemplo usaria “o sistema Drive-thru”, que nada mais é do que um tipo de serviço de entrega fornecido por uma empresa que permite que os clientes comprem produtos sem sair de seus carros. “ Vacina no carro”. Pronto. Olhei na garagem, esqueci de comprar um carro. A vida passou. Quando pude, não quis. Um carro a menos na rua. Existe até o “Dia mundial dos sem carros” O meu é todo dia. Mas, como não sofro de nenhuma amaxofobia, aquele medo de dirigir, nada me impede, de um dia sair dboas no Jeep Renegade por ai.
E como tenho um cunhado motorista de aplicativo, tenho carro na porta de casa a hora que quiser. Não sei se você sabia. Existem três empresas de aplicativos de transportes, legalizadas em Patrocínio, cada uma com 15 carros circulando. Mas começa a crescer o número de operadores clandestinos na cidade. Com a palavra as autoridades competente. Drive 53. Este eu conheço e confio. 7:30, o Carlinhos já buzinava em frente de casa.
Minha esposa, Solange, fez questão de me acompanhar. Afinal vacinar é um evento. Vacinar contra este vírus, não é um fato trivial, é um ato libertador. Uma carta de alforria.
Até defendo que para vacinar a pessoa deveria até colocar a melhor muda de roupa. Um bom perfume atrás da orelha. Aquele look de ver Deus aos domingo. Aquela muda de roupa “Que até o mês passado. Lá no campo inda era flor”.
No carro a caminho do local da vacina, surgiu a pergunta se estava com medo da agulha. Não sofro de "aicmofobia” (que é o medo de agulha), mas se posso escolher um comprimido tsabor tutti frutti, não penso duas vezes. Mas, medo não não. Logo eu que grande parte de minha vida vivi com a minha vó . Não, estes meninos nutelas de hoje, “criados por vó”, aqui era é literalmente neto raiz. Cresci vendo minha vó, aplicar a sabedoria ancestral, em chás de ervas, banhos e benzimentos, com rezas, simpatias e cantos. Com essas práticas ela conseguia minorar muitos dos males que afligiam aqueles que a procuravam. Tinha até fila na casa de minha vó. Era comum em casa chá de carqueija, para dor de cabeça, má digestão, prisão de ventre, diarreia, anemia, gripe, febre, doenças do fígado, vermes, azia, bronquite, colesterol, doenças da bexiga, má circulação do sangue e feridas.
E chá de quina, pensa num trem terrível. Era, para indisposições no intestino, estômago ou fígado. Entre outros, não faltava o chá de mentrasto para combater vermes, má digestão, náusea, vômito e flatulência. Não me espantaria se minha vó, estivesse viva, ela bolaria um chá, contra o corona. E para que ela continuasse usando a máscara, mesmo depois de vacinada, eu tomaria seu chá de “para-tudo”. ( Falo mais sobre minha vó no final da crônica)
Assim, medo, medo mesmo de agulha não tive. E se por acaso eu tivesse um mediquitinho de nada. O medo do vírus é muito maior. Medo não da agulha. Da vacina talvez. Por exemplo. Eu que entendo mais de fabricação de ovo do que de vacina, fiquei de olho na Pfizer, Coronavac e Astrazeneca, que veio chegando em lagar escala no Brasil.
Confesso que tinha mais medo da CoronaVac do que o capirôto da cruz. Primeiro por ser desenvolvida na terra onde o vírus surgiu. Depois o governador da Sampa o popular “ Calça apertada” assinou um contrato garantindo 60 milhões de doses da vacina chinesa, antes dela ser aprovada pela Anvisa. Presidente Bolsonaro ainda me sai com esta “Se você vira jacaré, é problema seu”
Falei pra mim mesmo. Essa CoronaVac do “calça apertada”eu não tomo. Mas nada como um dia depois do outro. Um tempo depois, faço mea-culpa com João Agripino da Costa Doria Junior- João Dória, Governador de São Paulo, pois a CoronaVac é, de longe, a vacina mais aplicada no país. o imunizante respondia por 83,3% das doses aplicadas no pais...Mas meu voto “Calça apertada” não ganhou e não ganha.
Gostaria de toma a vacina americana da Pfizer, eficácia global de 95%...
Correu que vacina AstraZeneca/Oxford, causava a formação de coágulos sanguíneos. Ligando os pontinhos eu que tive diagnóstico de tromboflebite, uma prima próxima da trombose, desejei a CoronaVac do Dória. Pfizer, Coronavac e Astrazeneca . Será que tomei qual destas vacina? Resposta: A que Deus me enviou. Temos que andar pela fé neste túnel escuro em que nos encontramos. “ E estes sinais acompanharão aos que crerem e meu nome...Pegarão em serpentes; e, se beberem algum veneno mortal, não lhes fará mal nenhum”...
A fila para a vacina era de 1 Km e 100 m. Iniciava entre o balão do Unicerp e balão da Minasilk. Subia com boa fluência pela Rua Artur Botelho. Inclusive parou bem diante do número 134.Casa onde morei com minha vó. A casa azul celeste toda desbotada já não existe mais. No seu lugar um sobrado imponente foi erguido. Enquanto aguardava fila de carro prosseguir, tive uma espécie de déjà-vu. Vi minha Vó-Mãe-Badia com seu lenço de seda e seu inseparável brinquinho de ouro em forma de grão de arroz, ao lado de um fogão a lenha fazendo o nosso cafezinho. Há 28 anos que faleceu, continua vivendo em minha saudade. Lembrei daquele seu olhar no hospital. O quarto estava repleto de filhos, todos em volta de seu leito. Diziam que ela teria poucos dias de vida, por isto todos com semblantes aflitos em volta da matriarca. Fique em um cantinho, deixando a prioridade para os filhos. Mas o olhar dela procurava em todos os rostos uma pessoa naquele quarto. Era eu. Pois parou seu olhar em mim entre todos. Olhou ternamente dentro dos meus olhos. Nunca soube o significado ou a mensagem daquele olhar. Nunca esqueci...
9: 23, ( 1 h e 23 na fila) estava diante da enfermeira que sorrido me pedia para levantar a manga da camisa. Vivi um turbilhão de emoções. Alegria, medo, tristeza.
Pensei em falar em voz alta:Viva o SUS”, "viva a ciência", “vacina para todos”, "Não vacila, vacina" .Não fiz nada disto...apenas fechei os olhos, pensando naqueles que não tiveram este privilégio. E são muitos...Ofereci meu profundo silêncio em forma de prece...