# Milton Magalhães

Mais Poesia, Por Favor!

23 de Junho de 2017 às 11:30

“MAIS POESIA, POR FAVOR!

Que privilégio, publicar aqui em nossa coluna/blog, mais uma crônica poética urdida com os  fios da sensibilidade e delicadeza de  *Jussara de Queiroz. Este texto foi publicado na "Revista do Minas". E aqui em nosso blog em 2015, Leitura que areja o coração. Confira:

 

"MAIS POESIA, POR FAVOR! 

Quem disse, leitor amigo, que não é mais possível sentar no  colo da vida e dizer te adoro, te adoro, com fartura e despudor? Pois hoje, quando desliguei a TV, dobrei os jornais, esqueci a internet e o celular, vi a poesia emoldurada pela janela do quarto. E a vida me pareceu admirável. Mas não me julgue cabecinha de vento, leviana, irresponsável, coisa assim. Conheço bem os ponteiros errados do mundo, e de nosso país, em particular.

Apesar de todas as mazelas que estamos enfrentando, quem disse que não é possível relaxar o corpo e a mente, abrir os olhos para a poesia nesta manhã fria de maio? O céu é de um azul finíssimo, os pássaros voam alto e é deles o infinito. Reparo o voejar estabanado do beija-flor, a marcha das formigas sobre as pedras do quintal, a iridescência do sol por entre os galhos das árvores. Você até pode dizer que não, mas, para mim, felicidade é isso mesmo: aspirar ao nada e achar que este dia não deveria acabar nunca.

Ah, quem disse que não podemos recuperar a poesia de nossa vida? Na minha infância, todas as crianças eram poetas. Com o tempo, deixávamos de ser, é verdade, quando entrávamos no sistema sórdido da engrenagem, que vai girando seu jogo de rodas dentadas e nos espremendo, até virarem bagaço as nossas emoções, o nosso lado lúdico, criativo e intuitivo.

Mas isso só acontecia muito mais tarde e, na maioria das vezes, com o nosso consentimento. Assim como há quem abre o peito e entrega toda a sua poesia para ser pisoteada, outros há que lutam a vida toda e não se deixam roubar. Continuam crianças e prosseguem poetizando a vida na culinária, na tapeçaria, na pintura, na agricultura, na educação, na saúde, na arquitetura. Nos negócios.

Ainda bem que ninguém nasce sem uma nódoa poética no peito. É como uma flecha atravessada no coração, de onde se esvai emoção, sonho, desespero e, às vezes, até sangue, matérias de que é feita a vida. Os poemas flutuam no ar, basta estender a mão e pegá-los na maior facilidade. Com os poros abertos, nossos territórios permanecem imensos e ilimitados.

Quem disse que não podemos mais nos extraviar da dura realidade e aventurar de novo nesses espaços, colhendo emoções genuínas, assim como fazíamos quando crianças? A gente olhava o céu e contava estrelas; olhava a terra e catava pedras, sementes e bichos. Com tudo isso, tecíamos o manto de nossa infância. Chorávamos quando tudo ficava nas trevas e ríamos da claridade.

Tínhamos carne e osso, mas mais coração do que matéria. Mais poesia do que racionalidade.

Quem disse, leitor querido, que, a despeito de tudo, não podemos fazer a vida menos chata e ordinária?

 

*JUSSAR A DE QUEIROZ, é  patrocinense radicada em Belo Horizonte, é Jornalista, publicitária (diretora da Pauta Comunicação e Marketing) e escritora, Jussara de Queiroz é autora de romance, crônicas e contos premiados nacionalmente: Prêmio BDMG Cultural de Literatura, Prêmio Sesc de Literatura, Concurso de Contos Luiz Vilela, Fundação de Cultura Cidade do Recife, Concurso Osman Lins de Contos, entre outros. Desde 2009, participa das antologias do projeto “Livro de Graça na Praça”.

Acadêmica da Academia Patrocinense de Letras;  assinou no Jornal de Patrocínio, por dezesseis  anos a coluna, "Catavento".