Não é fácil vencer uma discussão. Especialmente em um contexto inflamado, em que as opiniões se polarizam, notícias falsas se proliferam, debatedores recorrem a sacarmos, ambientes propícios para briga.
Uma boa discussão, ao contrário do que a maior parte das pessoas pensa, não serve para a disputa - e, sim, para a construção do conhecimento. Nesse sentido, saber sustentar uma boa argumentação é fundamental.
“Um argumento é uma ‘viagem lógica’”, diz Walter Carnielli, matemático, professor de lógica na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e autor de “Pensamento crítico - o poder da lógica e da argumentação” (Editora Rideel), livro escrito em parceria com o economista e jurista americano Richard Epstein.
Para Carnielli, os brasileiros têm uma “péssima educação argumentativa”. Confundimos discussão com briga e não sabemos lidar bem com críticas. Mas há técnicas que podem ajudar na construção de bons argumentos - e também a evitar armadilhas comuns em uma discussão, como o uso de falácias.
Entre elas está, por exemplo, a busca por entender o ponto de vista oposto - ajudando, inclusive, o opositor na construção do próprio argumento. Nesta entrevista ao Nexo, o professor explica algumas delas:
WALTER CARNIELLI Um argumento é uma ‘viagem lógica’' que vai das premissas à conclusão. Conforme a definição dada no nosso livro, um bom argumento é aquele em que há boas razões para que as premissas sejam verdadeiras, e, para além disso, as premissas apresentam boas razões para suportar ou apoiar a conclusão.
Em outras palavras, as premissas que você apresenta devem ser precisas e verdadeiras, e devem produzir uma razão para se pensar que a conclusão é verdadeira. Desse modo, há duas maneiras em que um argumento pode falhar, ou ser um mau argumento:
1.Se as premissas forem falsas.
2.Se as premissas não apoiam a conclusão.
Em geral as pessoas erram mais na parte 2: parece mais difícil decidir se as premissas apoiam ou suportam a conclusão do que verificar se elas são verdadeiras ou falsas.
WALTER CARNIELLI Existe um princípio metodológico importante na argumentação que é o Princípio da Acomodação Racional, também conhecido como Princípio da Caridade, e que foi tratado por filósofos de peso como Willard Van Orman Quine e Donald Davidson.
O princípio exige que devemos tentar entender o ponto de vista do oponente em sua forma mais forte e persuasiva antes de submeter sua visão à nossa avaliação. Dessa forma, devemos primeiro fazer todos os esforços para esclarecer as premissas e a conclusão do oponente, inclusive ajudando-o a reparar os pontos fracos. Só então, após essa atitude respeitosa, é que devemos gentilmente apontar a ela ou a ele onde suas premissas são falhas ou duvidosas, e/ou porque tais premissas não apoiam a conclusão.
Em outras palavras, o Princípio da Acomodação Racional impõe que interpretemos as afirmações dos outros de forma a maximizar a verdade ou racionalidade do adversário, tanto quanto isso seja possível. É a maneira mais respeitosa e produtiva de manter uma discussão honesta.
WALTER CARNIELLI Nós, brasileiros, temos uma péssima educação argumentativa: confundimos discussão com briga, e vemos as críticas como inveja, falta de amizade, falta de amor etc. Pior ainda: quando começa uma discussão, muitas vezes vem o seguinte: ‘tenho o direito de ter minha opinião’, seja sobre o criacionismo, o governo, a política ou a pena de morte.
Claro que todos têm o direito de manter sua opinião, mas opinião não é argumento. A democracia também é feita de opiniões - ninguém precisa argumentar para votar no candidato que preferir, basta manifestar sua opinião nas urnas. Mas quando o candidato quer nos convencer, ou quando queremos convencer os outros sobre nossa posição política, nossa crenças não bastam.
Fora esta falácia estrutural tremenda, que revela que a pessoa sequer sabe o que é um argumento, algumas das falácias mais comuns são:
Ad Hominem: quando se ataca a pessoa, não o argumento. Por exemplo: “o médico me recomendou parar de fumar. Mas ele fuma!”
Falso dilema: quando se exageram os dois lados de uma questão, não deixando lugar para nuances ou meio-termo. Por exemplo: “você é a favor do aborto? Então você apoia o assassinato de crianças”.
Post hoc ergo propter hoc: ou seja, “depois disso, portanto por causa disso”. Por exemplo: “Hitler era vegetariano, e veja no que deu'”.
Inverter o ônus da prova: Por exemplo: "claro que OVNIs existem. Prove o contrário'.'
Falsa analogia: por exemplo, tentar comparar casamento homossexual com legalização da pedofilia.
WALTER CARNIELLI Há centenas de falácias conhecidas e estudadas, mas a lista é potencialmente infinita. Há falácias lógicas, falácias estruturais, falácias de analogia, falácias emocionais, etc. Uma falácia é um mau argumento que não pode ser reparado. As pessoas gostam das falácias com rótulos em latim, que soam poderosas, e supostamente são usadas por advogados, ou podem ser usadas para impressionar o oponente.
WALTER CARNIELLI Primeiramente, crenças não são argumentos, embora possam influir neles. Os mecanismos para formar opiniões podem não ser racionais, mas até nesse ponto a investigação lógica é essencial.
Por exemplo, existe uma racionalidade de como revisar suas próprias crenças - a teoria de revisão de crenças - que são essenciais para computação teórica, por exemplo. Como podemos ‘explicar’ a um computador como ele deve rearranjar seus dados frente a novas informações? Ainda mais, as pessoas podem manter crenças verdadeiras por razões irracionais, ou manter crenças falsas por decisões racionais.
Some-se a tudo isso o fato de que o conhecimento é tradicionalmente visto como um tipo especial de crença, e que o problema das contradições na razão é também um importante tema da lógica.
A lógica formal, e a informal [presente na linguagem comum, que não utiliza nenhum tipo de técnica para ser apresentada], são importantíssimas para se investigar a razão humana. (Fonte:www.nexojornal.com.br)