Chego em casa, alguém me comunica que o correio entregou uma encomenda pra mim.
Lá estava a caixa já esterilizada e ainda de quarentena, como tudo que chega aqui em casa. Como não havia comprado nada, era, portanto um presente surpresa. Mas o que seria? Quem teria enviado?
Dei uma "ispiada", tentei adivinhar. Aquilo , contudo exigia um ritual solene... Decido, degustar um cafezinho primeiro antes de desvendar aquele mistério.
Um radinho está por ali ligado no programa “Show da Manhã” O apresentador José Antônio Firmino , “ de certa forma” está dizendo, “meu amigo, minha amiga, obrigado pelo velho e bom radinho ligado”
Fiquei pensando na expressão “velho e bom radinho”. Ela me soa afetiva e familiar. Sou da geração que cresceu ao pé do rádio. Cresci ouvi/vendo o rádio crescer. Para quem não sabe, o rádio nunca parou de crescer. Olhe ele ai resiliente, robusto, parrudo, todo prosa, renascido em plena era da multimidialidade.
Algumas de minhas memórias mais ternas me levam á localidade de Barra do Salitre. “Voce não tem vergonha de dizer que nasceu na roça, não, Milton?”. Não. Nao tenho.Tenho é muito orgulho. Já disse em outra crônica: “Nascer em berço simples, conviver de pertinho com gente simples e com a natureza, foi o que dilatou minha alma. Deu-me poesia, fina sensibilidade e coração humano. Quer chegue aos pináculos da glória ou more debaixo de um viaduto, juro, não perderei esta minha essência simples”
Como em todas casas por mais singela que fossem, lá estava rádio como se fosse em um altar. Papai tinha o dele era objeto de luxo em casa.
“Não é verdade que eu não tinha nada, eu tinha o rádio ligado” Essa frase, é da icônica, Marilyn Monroe e expressa o tesouro que é possuir a companhia de um rádio.
Meus primeiros encantamentos e elocubrações, foram: Ver meu avô lendo um livro da literatura Kardecista, achava meu avô o homem mais sábio do mundo. Aquilo era o máximo. Como ele decifrava aqueles garranchinhos no papel?
E, outra coisa, como era possível sair voz daquela caixinha? Como as pessoas grandonas que eram, cabiam lá dentro? As pessoas grandonas que eram me explicavam. Mas ficava pior a minha confusão mirim: “ Eles fala lá em São Paulo tem um apareinho que recebe a fala deles aqui.” Me intrigava: “ E se eu falar aqui eles me escutam de lá?”. Aquilo era místico, mágico . Algo de outro mundo.
Acordava de manhã ouvindo:
“Era florada,
lindo véu de branca renda
Se estendeu sobre a fazenda qual um manto nupcial
E de mãos dadas
fomos juntos pela estrada
Toda branca e perfumada,
pela flor do cafezal”
Á noite deitava ouvindo:
“Era um belo pé de Cedro, pequenino, em formação
Sepultei suas raízes na terra fofa do chão
Um dia parti pra longe,
amei e também sofri
20 anos se passaram em que distante vivi..”
Nunca me esqueci de papai e seu amigo Delvo Silva, comentar as notícias que um ou outro, ouviam pelo rádio. Era rotineiro, Delvo acabava de tirar o leite em sua propriedade e ia lá para a roça de milho e feijão do meu pai prosear sobre os “babados raízes" que rolava no sertão.
Gravei na mente, mais o que ouvi sobre o mundo artístico. Lembro deles fascinados com as letras das músicas do cancioneiro Goá. Os versos que o artista fez “ E os colegas gravaram” mereceram apreciação deles. Era a transição da moda caipira e a chegada da música sertaneja com seu lirismo romântico:
“Navegando vida afora
Pelo mar da esperança
Aprendi desde criança
Sobre as ondas me manter.
O Raí e da juventude vi passar depressa os anos
Na maré dos desenganos
Consegui sobreviver.”
Quando lançaram a moda “Mágua de Boiadeiro”. Composição de Nonô Basílio / Índio Vago, gravada por Pedro Bento e Zé da Estrada. Foi uma sensação no sertão . Hoje se diria: “eles piraram na letra”. Me lembro deles comentando os termos "sinueiros" , "hepopéia", "sinete", "gibão", "gaiaca". O poeta ( Que no alto de sua humildade dizia que não era) fez versos que mexeu com o universo deles:
“Não sou poeta,
sou apenas um caipira
E o tema que me inspira
é a fibra de peão
Quase chorando
imbuído nesta mágoa
Rabisquei estas palavras
e saiu esta canção”
Estou fazendo digressões sobre o rádio, mas não se esqueça que tem uma caixa para abrir e verificar seu conteúdo. O que será
Morando com minha Vô- Mãe- Badia, no fundo do Asilo, bem na mesa da copa, a ostentação era um rádio Semp. Logo tomei posse daquele aparelho. Quando muito sintonizava a hora do “Hora do Angelus” para minha devota avó. E como era um rádio de quatro faixas, ondas curtas, á noite era uma sensação “zarpar pelo mundo no dial” lá ia eu por emissoras Italianas, BBC Londres, Rádio Trans Mundial. O Rádio AM era meu Google e meu YouTube. Se é que me entende.
A vida me apresentou o rádio e o rádio me apresentou: Vila-Lobos, Ari Barroso, Carlos Gomes, Pixinguinha, Adoniran Barbosa, Goiá, Zé Fortuna, Sergio Reis, Catulo da Paixão, Dino Franco, Noel Rosa, Cartola, Tom Jobim, Milton Nascimento, João Gilberto, Carlos Lyra, Chico Buarque, Caetano, Gil, Paulinho da Viola, Roberto Carlos, Bethânia, Morais Moreira, Gal, Ivan Lins, Djavan, Fagner, João Bosco... (Na verdade, massificava-se uma ou duas faixas, as quais os programadores escolhiam, muitas músicas de qualidade acabavam no anonimato por conta disto)
O rádio me fez apaixonar pelo Corinthians, ouvindo as transmissões dos jogos do Timão feitas por Osmar Santos: “ Ripa na chulipa” e “pimba na gorduchinha, eeee queeee goooool!”. e Fiori Gigliotti: “ Abrem-se as cortinas e começa o grande espetáculo torcida brasileira” O que era aquilo. mermão!
Esse rádio marca Semp da minha vó está sempre na minha saudade. O tempo inclemente, contratou carrunchos insidiosos. Foram comendo a madeira por dentro e deixando o verniz por fora. Quando alguém apertou o dedo lá estava o estrago. Mas o valente rádio não se calou por isto. Tombou, porém na luta.
O Rádio fará 100 anos no Brasil em setembro de 2022, em pesar que muitos decretaram a sua morte. Sempre pelas mesmas razões, a chegada de novas tecnologias. Quando chegou a televisão eles o mataram; ele se fez mais forte. A televisão é multissensorial. Voce usa a visão e a audição para acompanha-la. O rádio é uni sensorial. Você só utiliza a audição para captá-lo. É só subir o volume e continuar arrumando a casa fazendo o almoço, dirigindo, brincando com o cachorro ou tomando banho, fazendo caminhada. O radio não paralisa a vida de ninguém. Ele acompanha os movimentos.O radio incentiva a viver.
Quando chegou a internet. O pessoal com a mentalidade de corvo cravaram: “Agora o rádio morre, mas morre mesmo”. Ai foi que o rádio ganhou o universo. A apropriação da Internet por parte do rádio se tornou um fenômemo sem limitação geográfica, foi avassalador. Ultradimensionou- se. Se voce estiver no Japão, poderá ouvir qualquer rádio de Patrocínio, em som local, inclusive as de baixa frequência.
Muito mais: Não é mais por carta. Você faz um áudio via WhatsApp e participa ao vivo da programação. O rádio só vai morrer quando não houver mais ninguém que fale e ninguém que ouça. Ele é a extensão dos nossos sentidos. Se todo mundo mudo; todo mundo surdo, aí sim. por que rádio..
A passagem de AM para FM, foi uma evolução necessária. Garante que as emissoras ofereçam uma sintonia mais simplificada e com um áudio de melhor qualidade. Inclusive as rádios italianas, etc.
Uma portaria do Ministério das Comunicações, obriga que os novos celulares já venham com Rádio FM inserido. Um desejo antigo do setor de radiodifusão.
O brasileiro considera o rádio um meio ágil, compreensível e uma fonte confiável de notícias. E os números atestam a força que o veículo de comunicação tem no dia a dia da população: de acordo com pesquisa da Kantar IBOPE Media, 86% dos entrevistados das 13 regiões metropolitanas onde há aferição regular no Brasil disseram ser ouvintes frequentes do rádio. Três em cada cinco entrevistados afirmaram ser ouvintes diários.
O rádio é companheiro íntimo. Onde você estiver ele está ali todo ouvido. Ainda se lembra da frase de Marilyn Monroe? " Eu tinha um rádio"
De minha parte, ouço a Difusora de Patrocínio 95. 3 e 98.9 FM ; a Módulo FM 96.1; a Rádio Capital 107.3 FM; a Rádio Cultura 104.9 FM; a Rádio Liberdade FM 104,9. A Rádio web, redehoje.com.br e rádio web, Rádio VOX Carlinhos Bill. Eles se revezam dentro da minha casa.
Quando abri a caixa, a surpresa: ERA UM RÁDIO! Não um rádio qualquer. Um rádio de mesa versão retrô. O " velho e bom radinho" cheio de recursinho. Conta com USB, leitor de cartão e rádio FM, controle remoto e bateria recarregável. Bluetooth. Além disso, possui acabamento em madeira e iluminação LED nos botões.
Um presente do amigo, Rondes Machado, direto do Rio de Janeiro.
Aquele amigo que sabe tocar as cordas d' alma...