“Estátua em praça da ONU tem semelhança com a “besta” descrita em Apocalipse”... “A próxima pandemia pode ser mais letal”... “Congresso volta a tramar a alta do Bolsa Eleição”... “OMS diz que variante Ômicron é considerada de alto risco”...( Ou...Durma com um berrerão desse na cabeça!)

...Há muito escrevi a crônica que se segue sobre o lugarejo bucólico onde nasci e passei minha primeira infância . Memória afetiva. Do nada quis reedità-la. As pessoas e o lugar citado já nem existem mais. Se perderam na bruma densa do tempo... Então... Voce que anda tbem sorumbático com esse terra - a - terra da política; fulo da vida com a cantilena da violência urbana; macambúzio com tanta notícia aterrorizante, aceite meu modesto convite: Vamos dar um pulinho imaginário ali em meu Shangri-lá particular. (Localidade de Barra do Salitre, +-42 KM, Fazenda do nobre e doce casal, Sr Natal Cândido e Dona Alaíde Lemos. Hoje, Dr Otácilio Ferraz?)

PATRIMÔNIO INTERIOR

( Imagem ilustrativa) Boralá! Venha assim do jeito que está mesmo, carece traquejar o visual, nada, não. Qualquer coisa, bota um chapéu Ramezoni marrom e calce uma bota cor de café e tamo pronto.

Vamos ao lugarejo onde abri meus olhos pela primeira vez; onde falei as primeiras sílabas. Onde passei meus primeiros anos. Vivendo ali, nem sabia que as "MINHAS HISTÓRIAS ERAM MUITO MAIS BONITAS DO QUE AS HISTÓRIAS DE ROBINSON CRUSOÉ".(Drummond)

Antes que me esqueça, meu coração matuto está pedindo uma trilha sonora, se voce souber tanger uma viola, não se faça de arrogado. Pra onde vamos tem noites banhadas de luar; manhãs umedecidas de orvalho; morena cor de cuia e uma profusão de toadas esperando para nascer."VEM, MORENA OUVIR COMIGO ESTA CANTIGA SAIR POR ESTA VIDA AVENTUREIRA". (Boca Livre) Talvez proseando a gente encontra um tom melhor.

Sabia que meu sonho nunca foi sonho de Ícaro? Um tipo mitológico,(não Milton, lógico) que acabou por derreter suas asas de cera de tanto voar perto do sol. Meu sonho de consumo continua o mesmo da “pimentinha”, Elis Regina: "EU QUERO UMA CASA NO CAMPO, ONDE EU POSSA COMPOR OS MEUS ROCKS RURAIS"( Zé Rodrix)

Então, vamos rumo á nossa quimera ? Alguém aí, por favor: "DÁ MEU CHAPEU DE PALHA MINHAS ESPORAS, ABRE AS PORTEIRAS QUE EU VOU ME EMBORA, DESTRANCA ESTER SERTÃO" ( Ivan Lins/ Vitor Martins) Vou avisando que a saudade é chucra, meu camarada. Ajeite-se bem no dorso dela. Não ligue com os ciscos, que porventura, caírem em meus olhos. Quando acontecer, não fica me fazendo perguntas, a gente para, você me dá um tempinho. Esse lencinho é pra isto.

Vamos em frente e que Deus e a viola nos acompanhe. Não tem erro: "O SERTÃO, MOÇO , ESTÁ DENTRO DA GENTE" Dizia, o entendido, Guimarães Rosa. Se compensa a viagem? Confia no Patativa do Assaré: “A BELEZA É TANTA, QUI O POETA CANTA, CANTA E AINDA FICA O QUI CANTÁ”. Aperte o passo, moço. Esporeia essa saudade ruim de cela para chegarmos logo.

Pronto. Pronto. Estamos chegando ao nosso destino. Localidade de Barra do Salitre, 1970, talvez seja o ano vigente. Ainda estamos no espigão da chegada, não é possível vislumbrar a casa, mas vem cá... vê aquele espiral de fumaça subindo dentre as mangueiras e bambuzais? É, ela: Vó-Mãe-Badia. Garanto -lhe que ela está passando aquele cafezinho, espere só para aprová-lo. Já vou avisando, não fica “MASSANDO BARRO” na cozinha dela, não, que ela não gosta. Ainda estamos na encosta da chegada. Atrevessemos o regato de água límpida."RIACHO RI, ACHO QUE CHORA". Confira este dito de Flávio-Drummond-de Almeida, aí ao vivo. Veja nas águas límpidas do riachinho o cardume de lambaris, parecem saudar a nossa chegada. Há meu Deus lá vem os espalhafatosos quero-queros. Chiii! Cuidado com os voos rasantes. Defesa de território. Ha nein, sabia! Adeus chegada discreta... Icha! tem umas vacas nos olhando muito, ai na frente, devo confessar que morro de medo de vaca com bezerro novo..

Pare...Pare... Repare a silhueta daquele senhor. Ele está tentando apaziguar a arruaça dos cachorros. Detalhe: Sem espancar nenhum deles... É, Vô Benedito Souza. Seus olhos azuis, harmonizam com a doçura de sua alma. Pode sair perguntado. Não há na redondeza, quem aponte um deslize em seu caráter... Espere um pouco ... parece ter caído um cisco aqui nos meus olhos...Te avisei que poderia acontecer. Agora espere....

Pronto. Podemos prosseguir. Repare o cenário de relva verde na chegada e a orla de pés de goiabas. À sua direita, debaixo das goiabeiras, veja uma oficina de madeira a céu aberto. É do Tio Amiro. Como é que pode! Ninguém ensinou nada pra ele e ele faz de tudo na vida. Olha lá! Pelo visto é um carro de boi que ele está fazendo. Um gênio. Até Capitão de folia do peito sadio, ele é.

À sua esquerda, em primeiro plano, eis o paiol de milho e a varanda do velho carro de boi. "QUE VONTADE EU TENHO DE SAIR NUM CARRO DE BOI IR POR AÍ". Essa vontade é minha e do outro Milton - o Nascimento.

Não, não se preocupe com o grunhir impertinente da porcarada no mangueiro. "ELES TEM OS ZÓI MAIOR DO QUE A BARRIGA", no dizer de Vô- Mãe-Badia, que, por certo, acabou de tratá-los com porções de carinho.

Por favor, paremos um tempinho aqui diante deste paiol, preciso lhe contar uma história que você nem vai acreditar:

Certa manhã, o playgroud de minha irmã Marta, minha prima Cidinha e meu, foi ai dentro. Depois de improvisar nosso tobogã, piscina de bolinha e cama elástica, resolvemos fazer nosso pula-pula em cima de um velho couro de boi curtido e estendido como um manto sobre o milho.

Eis que de repente, um som estranho, chamou a nossa atenção.-“É UM RATINHO!", alguém disse no alto de sua inocência . Mobilizamos todos para capturar do tal bichinho. Eu apressei em dizer que na minha parte ele não passaria. O barulho ficava agora mais forte: BRRRRRRRR, SSSSSSS! Foi quando Maria Aparecida - A Cidinha do Tio Amiro, teve um átimo de bobeira, teve a infeliz ideia de erguer a ponta do couro e olhar debaixo...Quando ergueu a cabeça, uma cascavel de quase dois metros, saiu grudada em sua testa. Só imagina a cena, indescritível...

Finalmente, os adultos foram investigar e deram com a cena horrenda e logo vovô surgiu do campo e acertou as contas com a serpente, tirando-lhe o guizo como troféu. Sangue, susto, estado de choque, terror, pânico, correria, muito medo, fé, Benzimento e Deus... Por puro milagre, a prima Cidinha não morreu. Vive hoje em Araxá...Vamos prosseguir...

Há três currais, na chegada, estamos adentrando o primeiro. Pode deixar essa velha porteira aberta, que os bezerros estão soltos na invernada do açude. Ai, sim, este crânio de vaca no mourão da porteira, acho que é pra espantar doença e mau olhado. Deixa quieto...

Pare...de novo o tal cisco...Talvez devêssemos voltar...

Mas, vamos assim mesmo...Agora estamos com os pés no grande curral do meio. Repare aquela casa á esquerda, cujas paredes servem de cerca para o grande curral. Ali mora Tio Amiro e Tia Mariêta. Pssiu!Pssiu!. Caladinho! Não estamos com tempo e voce nunca viu pessoas mais hospitaleiras e receptivas. Se eles nos virem, vamos, almoçar, jantar e até ficar para dormir.

Ai...Bem a nossa frente! Eis o grande sobrado de um azul maltratado pelos anos. Janelas de madeira. Quantos cômodos...tantos. Nunca contei...Vô Benedito, saiu para a lida no campo, mas já disse que a casa é nossa. Vamos adentrar. Só um instantezinho. Vire e repare a grande fila de mangueiras, em frente a porta da sala. Manga rosa, manga abril, manga araçá, manga-coração- boi, manga espada. Sinta o cheiro..- Não, senhor! volte aqui!, não vai chupar manga, não, moço. Depois vai querer tomar leite. Faz mal. (Não faz mal, nada, mas se a Vó Badia, ver ela vai raiar com voce! )

Coitado desse cachorro cor de feijão, pega, ninguém, não, tô, já está caducando. Será se o cão chupa manga e bebe leite? Credo em cruz, trocentas vezes, o quê já estou imaginando!

Passamos pelo curralzinho dos bezerros novos. Estamos no jardim da porta da sala. Ei, parece que nunca viu tantas borboletas e beija - flores! Pare de correr atrás delas! Parece não saber que:" O SEGREDO NÃO É CORRER ATRÁS DAS BORBOLETAS... É CUIDAR DO JARDIM PARA QUE ELAS VENHAM ATÉ VOCE". Já o disse, Quintana. Ops! Lembrei-me de quitanda. Partiu cozinha.

Nem vamos nos assentar no banco de ripas da sala. Foi o Tio Amiro quem fez. Como já disse, ele é um artesão da madeira. Notou a cadência sincopada de nossos passos no assoalho? Sincopada, o que é? Ué, sincopada, é... sincopada, ué! Esqueça os quadros nas paredes do salão, não mexa nos livros de literatura espírita do meu avô e nem dê papo a esse papagaio tagarela. Há, sabia que um papagaio fala no máximo vinte palavras. E tem gente que não tem um vocabulário assim tão vasto, rs,rs, kkk. Chegamos ao território sagrado. Olha o cisco no olho de novo..

Ispia quem atiça as brasas no fogão vermelho. Ela: Vó-Mãe-Badia. Lenço de seda. Brinco de ouro. Nesse universo ela reina, altiva e soberana. Duas ou tres palavrinhas e já vem lá o tal cafezinho do qual lhe falei. Vai querer pão de queijo ou bolo de fubá, ou broinha de doce? Também quero é biscoito de polvilho.

Timba cheia. Vaza dai. Vamos para o quintal. Já disse, conheço minha vó, ela é toda gentileza, assim, mas até, Vô Benedito ela manda circular. " Ajuda muito, quem não atrapalha" Eis uma de suas rezas.

Veja o terreiro de cimento. Seria para brincar de bola, mas, ás vezes, os adultos secam cereais. Que mavioso o barulhinho de uma bica d'agua! Beba, cara, lave a alma, aqui não se pede benção nem pra Daepa, nem pra Copasa. Vai, beba, voce primeiro: " DOIS BODES DE CHIFRES NÃO BEBEM ÁGUA NA MESMA CUMBUCA". Acho que me dei mal com esta citação. Mas, deixa para lá. Cuidado! não adentre este porão escuro ai não. Dizem que aí mora " UM HOME BARBUDÃO QUE CARREGA MENINO TEIMOSO". Na dúvida, não se duvidei.

Estamos finalmente no pomar. Aspire mil cheiros. Ouça mil tons, singulares. Contemple os feixes de luzes que escorrem das copas e salpicam o chão coberto de folhas secas. "GOSTA DE AMORA? VOU CONTAR PARA O SEU PAI COCÊ NAMORA" . Olha o velho "mijolo" essa pancada é esse um chuá tem o poder de embalar alma da gente a vida inteira.

Ouça passaredo."HEI PINASSILGO, OI PINTAROXO, MELRO, UIRAPURU..." ( Julinho da Adelaide)

Faça um minuto de silêncio que vale uma eternidade. Ouça o som do verão no quintal, uma espécie de Filarmônica Divina em concerto que inundam as tardes. Ouça o farfalhar das folhas ao roçar da brisa, formando harmonia com o turturinar das juritis.

Dá para ouvir o trinar dos grilos com o cacarejar das galinhas? Quantos acordes nessa orquestra. Não deu para passar em branco, o tal Bem Ti Vi cagueteiro, já nos viu. Já avisou para ‘ Apagou’ que correndo deixou o ninho.

E vem o vento ventania assanhar o bambuzal, alterar todo o cenário. Levei tempo para entender que é seu jeito de avisar que a chuva está vindo. Toque que recolher.

Hora de voltar a realidade. Pisar no chão duro do hoje. Não sem lhe agradecer, leitor, pela paciente companhia. Valeu, fugir da mediocridade do cotidiano, não? Acabei lhe revelando meu segredo: Nascer num berço simples e conviver com a natureza, foi o que dilatou tanto minha alma. Deu-me poesia, sensibilidade e coração humano. Quer chegue aos pináculos da glória ou more debaixo de um viaduto, juro, não perderei esta minha essência simples...

Devo acrescentar que, atualmente as pessoas citadas, não existem mais, e grande parte da tal fazenda, encontra-se submersa na Lagoa de Nova Ponte. Como vê, salvei o que pude em minha memória. São coisas que fazem parte de meu rico Patrimônio Interior.

Quarenta anos depois, voltei ao tal local onde nasci com o amigo Reinaldo Cherulli. " TIRAR FOTO DO QUÊ?" Não havia nada, nada nada como antes. Não existe registro em fotos, a imagem, portanto é ilustrativa.

Enquanto o implacável, permitir, esse Patrimônio existirá por um tempo no meu interior. Depois, também... não mais. O vento, o tempo e, ( Deus queira que não) aquela doença com o nome do médico alemão, varre tudo da mente. Joga tudo na vala do esquecimento. Deixa um painel branco no lugar de tudo que lhe mostrei acima...

Por enquanto, enquanto, o bicho pega, eu posso voltar, e obrigado por ir comigo lá em meu Shangri-lá..