(Imagem Ilustrativa)Se voce anda também meio sorumbático com este terra - a - terra da política local; fulo da vida com a cantilena da violência urbana, aceite meu modesto convite: Vamos dar um pulinho imaginário ali em meu Shangri-lá particular. Venha assim do jeito que está, carece traquejar o visual, nada, não. Trata-se do lugarejo onde passei meus primeiros anos. Vivendo ali, nem sabia que as "minhas histórias eram mais bonitas do que as histórias de Robinson Crusoé".
Antes que me esqueça, meu coração matuto está pedindo, se voce souber tanger uma viola, não se faça de arrogado. Onde vamos tem noites banhadas de luar, manhãs umedecidas de orvalho, morena cor de cuia e uma profusão de toadas esperando para nascer."Vem, morena ouvir comigo esta cantiga sair por esta vida aventureira."Talvez proseando a gente encontra um tom melhor. Sabia que meu sonho nunca foi sonho de Ìcaro? Um tipo mitológico,(não Milton, lógico) que acabou por derreter suas asas de cera de tanto voar perto do sol. Meu sonho de consumo continua o mesmo da pimentinha, Elis Regina: "Eu quero uma casa no campo, onde eu possa compor os meus rocks rurais"
Então, vamos rumo á nossa quimera ? Alguém, por favor: "Dá meu chapéu de palha minhas esporas, abre as porteiras que eu vou me embora, destranca este sertão"( Ivan Lins.) A saudade é chucra, meu camarada, ajeite-se no dorso dela. Não ligue com os ciscos, que porventura, cair em meus olhos, vamos em frente assim mesmo e que Deus e a viola nos acompanhe. "O sertão, moço, está dentro da gente" Dizia, o entendido, Guimarães Rosa. É pra lá que vamos.
Pronto. Estamos chegando ao nosso destino. Localidade de Barra do Salitre, 1970, talvez seja o ano vigente. Ainda estamos no espigão da chegada, não é possível vislumbrar a casa, mas vê aquele sinal de fumaça subindo dentre as mangueiras? É, Vó-Mãe-Badia, passando aquele cafezinho, espere só para aprová-lo. Atrevessemos o regato de água límpida."Riacho ri, acho que chora". Confira este dito de Flávio-Drummond-de Almeida, aí ao vivo. Veja nas águas límpidas do riachinho o cardume de lambaris, parecem saudar a nossa chegada. E os espalhafatosos quero-queros, chiii! Sabia! Adeus chegada discreta.
Pare... Repare a silhueta daquele senhor, tentando acalmar a arruaça dos cachorros-detalhe- sem bater em nenhum deles : É, Vô Benedito Souza. Seus olhos azuis, harmonizam com a doçura de sua alma. Não há na redondeza, quem aponte um deslize em seu caráter... Espere um pouco ... parece ter caído aqui um cisco nos meus olhos...
Pronto, podemos prosseguir. Repare o cenário de relva verde na chegada e a orla de pés de goiabas. Á esquerda, em primeiro plano, eis o paiol de milho e a varanda do velho carro de boi. "Que vontade eu tenho de sair num carro de boi ir por aí".Essa vontade é minha e do outro Milton, o Nascimento.
Não, não se preocupe com o grunhir impertinente da porcarada no mangueiro. "Eles tem os olhos maiores do que a barriga", no dizer de Vô- Mãe-Badia, que, por certo, acabou de tratá-los com porções de carinho.
Há três currais, na chegada, estamos adentrando o primeiro. Pode deixar a velha porteira aberta, que os bezerros estão soltos na invernada do açude...Pare...de novo o tal cisco...Talvez devêssemos voltar...
Mas, vamos assim mesmo...Agora estamos com os pés no grande curral do meio. Repare aquela casa á esquerda, cujas paredes servem de cerca para o grande curral. Ali mora Tio Amiro e Tia Mariêta. Pssiu!. Caladinho!.Não estamos com tempo e voce nunca viu pessoas mais hospitaleiras. Se eles nos virem, vamos, almoçar, jantar e até ficar para dormir.
Ali...Bem a nossa frente! Eis o grande sobrado de um azul maltrado pelos anos. Janelas de madeira. Quantos cômodos?..Vô Benedito, saiu para a lida no campo, mas já disse que a casa é nossa. Vamos adentrar. Sò um instantezinho. Vire e repare a fila de mangueiras, em frente a porta da sala. Manga rosa, manga abril, manga araçá, manga manga-coração- boi, manga espada. Sinta o cheiro..- Não, senhor! volte aqui!, não vai chupar manga, não, moço. Depois vai querer tomar leite. Faz mal. Será se o cão chupa manga e bebe leite? Credo em cruz, trocentas vezes, o quê já estou imaginando!
Passamos pelo curralzinho dos bezerros novos. Estamos no jardim da porta da sala. Ei, parece que nunca viu tantas borboletas e beija - flores! Pare de correr atras delas! Parece não saber que:"O segredo não é correr atrás das borboletas...é cuidar do Jardim para que elas venham até voce". Já o disse, Quintana.
Nem vamos nos assentar no banco de ripas da sala. Foi o Tio Amiro quem fez. Ele é um artesão da madeira. Até carro de boi ele faz. Notou a cadência sincopada de nossos passos no assoalho? Sincopada, o que é? Ué, sincopada, é sincopada, ué! Esqueça os quadros nas paredes do salão e nem dê papo ao papagaio tagarela. Há, sabia que um papagaio fala no máximo vinte palavras,.E tem gente que não tem um vocabulário assim tão vasto, rs,rs.Vamos á cozinha.
Olhe quem atiça as brasa no fogão vermelho: Vó-Mãe-Badia. Lenço de seda. Brinco de ouro. Nesse universo ela reina soberana. Duas ou tres palavrinhas e já vem lá o tal cafezinho do qual lhe falei.Vai querer pão de queijo ou bolo de fubá, ou broinha de doce?Também quero é biscoito de polvilho.Vamos para o quintal. Conheço minha vó, ela é toda gentileza, assim, mas não gosta que ficam "amassando barro" na cozinha dela. Até, Vô Benedito ela manda circular.
Veja o terreiro de cimento. Seria para brincar de bola, mas, ás vezes, os adultos secam cereais. Que mavioso o barulhinho de uma bica d'agua! Beba, cara, lave a alma, aqui não se pede benção nem pra Daepa, nem pra Copasa. Vai, beba, voce primeiro: " Dois bodes de chifres não bebem água na mesma cumbuca". Acho que me dei mal com esta citação. Mas, deixa para lá. Cuidado! não adentre este porão escuro. Dizem que aí mora " um homem barbudo que carrega menino teimoso". Na dúvida, não se duvida.
Estamos finalmente no pomar. Aspire mil cheiros. Ouça mil tons, singulares. Contemple os feixes de luzes que escorrem das copas e salpicam o chão coberto de folhas secas. "Gosta de amora? vou contar para o seu pai que ocê namora".Olha o passaredo."Hei, pintassilgo, oi pintaroxo, melro, uirapuru..."Faça um minuto de silencio que vale uma eternidade.Ouça o som do verão no quintal, uma espécie de Filarmônica Divina em concerto que inundam as tardes. Ouça o farfalhar das folhas no roçar da brisa, formando harmonia com o turturinar das juritis. Dá para ouvir o trinar dos grilos com o cacarejar das galinhas? São acordes também desta orquestra. Não deu para passar em branco, o tal Bem Ti Vi cagueteiro, já nos viu. Já avisou para ‘Fogo Apagou’ que até deixou o ninho. E vem o vento ventania assanhar o bambuzal, alterar todo o cenário. Levei tempo para entender que é seu jeito de avisar que a chuva está vindo. Toque que recolher.
Hora de voltar a realidade. Pisar no chão duro do hoje. Não sem lhe agradecer, leitor, pela companhia. Valeu, fugir da mediocridade do cotidiano, não? Acabei lhe revelando meu segredo: Nascer num berço simples e conviver com a natureza, foi o que dilatou tanto minha alma. Deu-me poesia, sensibilidade e coração humano. Quer chegue aos pináculos da glória ou more debaixo de um viaduto, juro, não perderei esta minha essência simples..
Devo acrescentar que, atualmente as pessoas citadas, não existem mais, e grande parte da tal fazenda, encontra-se submersa na Lagoa de Nova Ponte. Como vê, salvei o que pude em minha memória. São coisas que para sempre farão parte de meu rico Patrimônio Interior. De vez em quando, a rotina fica assim entediante, jogo o arreio sobre o dorso da saudade e faço este pequeno tour. ..
Voltarei. Posso contar novamente com a sua companhia?