# Eustáquio Amaral

Patrocinense, de origem humilde, salvou 307 pessoas em tragédia

17 de Agosto de 2020 às 21:38

Herói. A querida Patrocínio tem alguns. Porém, sob o contexto de vida, há um, praticamente, incomparável. É cinematográfico. É impressionante. Quem é, o que fez, tornam-se enredo para um bom filme ou novela ou romance. Olendino Francisco de Souza é o seu nome. Nome simples. Origem simples. Homem simples. Na verdade, é o nome de um piloto de avião, o Comandante Souza. O herói que nasceu em Patrocínio. E, aos 43 anos de idade, resgatou 307 pessoas do inferno... de chamas em São Paulo, chamado Edifício Andraus.

CENÁRIO DA CATÁSTROFE – Dia 24 de fevereiro de 1972, quinta-feira, 16h, incêndio de proporção descomunal envolve o Edifício Andraus, de 32 andares, com 115 metros de altura, situado à Av. São João, esquina com Rua Pedro Américo, na capital paulista. De finalidade comercial. Sobrecarga no sistema elétrico é a possível causa do fogo avassalador. Rádios e redes de TV transmitem, em tempo real, o desastre. Resultado: 16 pessoas mortas, 330 feridas, e felizmente, mais de 700 pessoas sobrevivem, graças aos destemidos pilotos de helicópteros.

O QUE FEZ – Em 1972, Olendino, era o Comandante Souza (piloto) do Governo de São Paulo. No retorno de missão oficial, ouvindo rádio soube do desastre, deparando-se, então, com o prédio em chamas. Sabia que enfrentaria três perigos: a fumaça, a laje instável e o pânico das pessoas. Todavia, achou que deveria ser o primeiro a pousar, já que pilotava o maior helicóptero (Bell 204, PP-ENC, para dois pilotos e oito passageiros). O patrocinense, o primeiro piloto a pousar no flagelo, fez 32 pousos no prédio em bola de fogo. Trabalhou, sem parar, 4h. Desde a obtenção de seu brevê em 1960, já havia voado 3.500 horas (1972).

DO INFERNO PARA O CÉU – Comandante Souza deu nova vida a 307 pessoas, sobreviventes, em suas 32 viagens Andraus-Congonhas. Depois, exausto, deitou-se na pista ao lado de seu helicóptero, e adormeceu... olhando para o infinito, em agradecimento. Horas depois, acordou no ambulatório do aeroporto, cercado de médicos e enfermeiros. Esses apenas referenciavam-no, pois a saúde do herói não foi afetada.

QUEM É – Comandante Souza nasceu em 1929, em Patrocínio. Muito impetuoso, foi expulso de sua casa, na cidade, aos 13 anos. Pobre, passando frio e fome nas ruas, aceitou proposta de um mecânico: ensinamentos sobre mecânica de automóveis (à época, só carros importados) em troca de comida. A habilidade manual era tanta que logo passou a consertar carros, para espanto do seu mecânico-protetor.  

AVIÃO À VISTA... – Um cliente da oficina, observando Olendino trabalhar, disse: “... desse jeito, um dia consertará aviões.” E não deu outra coisa. Nas suas andanças pelo mundo, foi parar no hangar de Jacarezinho (PR). Lá, foi ser mecânico dos teco-tecos de pulverização das fazendas. E em seguida, piloto desse tipo de aeronaves. Pouco depois, recebeu proposta de aprender a pilotar helicóptero. Segundo a família, aos 31 anos de idade recebeu o brevê 0005. Simplesmente, o 5º piloto autorizado a voar no Brasil (1960).

A VIDA DE OLENDINO – Já em 1964, era o piloto do governador Adhemar de Barros. Além, de participar de resgates de atingidos por enchentes e busca por bandidos. Foi condecorado com inúmeras medalhas de honra ao mérito, inclusive da ONU. No programa de Hebe Camargo, na Rede Record, fez gente chorar e foi intitulado herói nacional. Por volta de 1975, mudou-se com a família de São Paulo para Bauru, trabalhando na CESP (Centrais Elétricas de São Paulo), onde sobrevoava baixinho as linhas elétricas para manutenção. Nos anos 80, aposentado, consertava e guiava helicópteros... do chão, pois esses eram de aeromodelismo.

A FAMÍLIA DO COMANDANTE SOUZA – Casado com Honorina Medeiros de Souza e pais de Sônia e Luis Souza, e avô de dois netos. Faleceu, aos 79 anos, após sofrer um acidente vascular cerebral (AVC), em 15 de janeiro de 2008. Sepultado em Bauru (SP). Segundo o filho Luis, “ele era alegre, extrovertido, feliz com todo mundo. Tinha um coração enorme. Era de muitos amigos, especialmente em São Paulo.

FOLHA DE SÃO PAULO: HISTÓRICO – O jornal paulista, edição de 18/1/2008 (Caderno Cotidiano), três dias após o seu falecimento, publicou grande matéria sobre o Comandante Souza. “Os 15 minutos de fama de Olendino Francisco de Souza duravam mais nas TVs do país. Resgatando de helicóptero 307 pessoas das chamas do prédio Andraus, entrou para a história... O destino lhe reservara a maior surpresa. Tanto que acorreu ao apelo do rádio, em 24/2/1972, ao avistar o edifício Andraus, na Av. São João, lambido por labaredas e rolos de fumaça negra, com gente gritando e pulando, os pés queimados pelo concreto fervente. Segundo contava aos seus filhos em detalhes, pensou em um “ventilador” – as hélices afastavam as chamas, enquanto os soldados punham as pessoas enlouquecidas em fila...

JORNAL “ESTADO DE SÃO PAULO”: 8 HORAS ARDENDO – “Em 24 de fevereiro de 1972, a bordo de um helicóptero do Serviço de Salvamento Aéreo de São Paulo, Souza resgatou 307 pessoas do edifício Andraus (32 andares), após fazer 32 pousos no alto do prédio em chamas... O fogo levou quase oito hora para ser contido e é considerado pelo Corpo de Bombeiros um dos maiores incêndios já ocorridos na capital paulista.” Edição do “Estadão” de 18/1/2008.

TV GLOBO: GENTE SE ATIROU PELAS JANELAS – “Para se proteger da fumaça, os bombeiros usaram lenços úmidos, já que não havia máscaras suficientes... quase 500 pessoas se dirigiram para a cobertura do prédio e foram resgatadas por helicópteros... dezesseis pessoas morreram carbonizadas ou se atiraram pelas janelas, outras 330 ficaram feridas...

INTERNET (I) – “Li numa crônica no jornal algo sobre um cidadão chamado Olendino de Souza, que um dia foi um anjo com asas de metal...” Ele percebeu que de nada valia sua vida se comparado ao que poderia fazer e o fez. Seu feito nunca será apagado (internauta Thiago Lenda, em 2008).

REVISTA DEFESATV: DIA DO PILOTO – “A comunidade aeronáutica brasileira instituiu o dia 24 de fevereiro, o dia do piloto de helicóptero no Brasil. Pois, nesse dia, em 1972, um grupo de 12 pilotos de helicóptero realizaram uma das missões mais difíceis da história... esses pilotos corajosos conseguiram evitar tragédia incomensurável.... Esse dia de heroísmo na história da aviação brasileira e sul-americana deu origem ao Dia do Piloto...” Edição da Revista, de 24 de fevereiro de 2019.

FONTES – Jornais Folha e Estadão, Wikipédia e acervo deste amador escriba e cronista.

Primeira Coluna publicada na Gazeta, edição de 01/8/2020.

([email protected])