# Milton Magalhães

Patrocínio dos Meus Tempos

20 de Outubro de 2019 às 07:30

 

 

"PATROCÍNIO DOS MEUS TEMPOS" uma preciosidade esta crônica do Sr Gentil Murce. Infelizmente nada sei sobre o autor que colocou a sua alma neste texto. Se diz um patrocinense adotivo, mas, cita pessoas, descreve lugares, menciona passagens, que revelam seu extraordinário carinho pela terra do coração. Pelo visto, depois que se mudou, não quis mais voltar a Patrocínio. E aqui, em "tom de saudade e mágua", ele revela o motivo. (Cópia  gentilmente, cedida a mim pelo saudoso Sr. Diolando Rabelo) :

“Longe de mim em querer sentir um desamor por você, longe de mim, mesmo. Gosto de você e muito.

Conheci você quando você era pobre. Pobre como eu. Éramos iguais. Você porém, levava vantagem era imensamente rica em filhos. Enquanto eu entregava para recreação três filhos apenas, você já possuía algumas dezenas de milhares. Mas todos  mesmos ricos em tudo: em grandeza de espírito, em bondade em complacência e em carinho. Tão bons que nos acolheram de braços abertos. Mesmo os poderosos pois, você os tinha!

Mas, tudo isto não importa. Quero falar somente de você, como pobre do meu tempo.Quando éramos pobres até a sua poeira era gostosa. Lembra-se? 

 No mês de agosto quando era organizadas romarias para as festas de Àgua Suja em homenagem a Nossa Senhora da Abadia, assoprava aquele vento forte trazendo com ele uma adorosa poeira amarelada que chegava a alimentar com seu perfume todo o nosso corpo!

Nossos olhos não vêem mais aquela boiada que atravessava as suas ruas desde o alto da Estação da Rede, com destino á charqueada esperança, em Salitre, manada sadia e alegre que caminhava para a morte!

Não vêem mais aqueles carros de boi chiando forte como se fosse uma canção de ninar e cujos eixos jamais lubrificados para que não desaparecessem os seus lamentos!

Não vêem mais as quintas-feiras, ás 10 horas, aquele bando álacre de moças bonitas representando as internas do Colégio Nossa Senhora do Patrocínio num chilrear constante como canários a cantarolar, duas, a duas sob o comando enérgico. Da simpática Irmã Guida!

Não vêem mais aquele gostoso carnaval quando o meu filho Décio então com dez ano saía fantasiado de anão! Não vêem mais aquele circo de cavalinhos armado ao lado da Praça Santa Luzia, circo da pior qualidade, mas que a poder de passeio mágico transformava os nossos dias ruins em noites felizes!

Que é minha querida, do campo do Ipiranga, onde o Baim, o Paulo Tavares, o Pão Duro,o Joãozinho, este seu amigo; o Picum, o Bisinho, o Zé Luiz, o Antero, o Didi, e o Vane se esfolavam naquele pedregulho que o forrava! Que é das gostosas gabirobas e cajuzinhos do campo que a gente no cerrado então existente, logo acima da Santa Casa e bem perto da chácara do Baim?

Que é dos comícios políticos dos saudosos partidos PSD-UDN e PTB quando ainda ajudado por Deus tínhamos eleições diretas,  sempre abrilhantados pela Banda de Música do Maestro Zé Pequeno e tinha como tocador de bumbo o luso brasileiro,Celestino Pires e a gente ouvia também umedecido a voz quente do excelente orador,Carlos Pieruccetti.

 Que é do pequeno e velho matadouro, no caminho da fazenda  do coronel João Cândido, quando as vezes , este seu amigo fazia inspeção   dos bovinos abatidos para que a sua população se servisse de carne sadia ?  

Que é dos entrepostos de queijo, lá perto da estação, dos senhores Joaquim Cardoso e João Solito, também fiscalizados por este seu filho adotivo?

 Não vemos mais eu e você a não ser na lembrança aquele “ Caixote em pé” que dava fundos para sua zona boêmia onde os rapazes da época todos nossos amigos depois de terminados os majestosos bailes do Itamarati passavam a noite em suas quase honestas orgias!

 Que é daquele gostoso voleibol que jogávamos  no Instituto Bíblico, a noite, no campoque ficava bem em frente ao departamento dos Correios do Sô Alberto, na rua Governador Valadares ?

 Onde foi parar, o Cine Triângulo, do meu tempo, onde todas as cadeiras, já cativas, eram marcadas, por antecipação pelos seus freqüentadores, amarrando-as com blusas e casacos?  

Por que você deixou que mudasse o seu tradicional Fórum, onde, nós dois, tínhamos tantos amigos que lembro com saudade: o Juiz José Thedin de Siqueira; o promotor de Custódio Brito, também exímio empinador de papagaios, junto com seu filho; coletor federal , Enéas Carvalho , sempre muito cheiroso, também  da Maçonaria; o coletor estadual, José Luiz da Silva ; o escrivão federal , Chico Brito; o escrivão estadual , xisto do Polidoro ; o Saul Andrade , do 1º  ofício; o Orlando Barbosa , do 2º ofício ; o Muquin, colega e amigo do Santo Antônio , como casamenteiro que eram a tantos outros?  

Onde foi parar a farmácia do Oscar Barreira, o eterno Presidente da Associação Comercial? E a loja do austéro e dinâmico Secundino Tavares, quando seu filho Paulo, atrás do balcão nos vendia tanta cousa, pois a loja tinha de tudo?

 Quanta cousa boa você deixou escapulir por absoluta falta de reação. Você deveria reagir, bater o pé e não deixar que o espectro do progresso tomasse conta de tudo!

 Lembra-se dos amigos que tínhamos?    O Patico,  que pintava os cabelos brancos de preto, deixando o bigode branco; o Alonso Alves, que criava lobos no terreno de sua casa e possuía um legítimo Stradivarius, que nunca tocava ; o tenente Amorim, sempre gordo e sempre organizando pescarias com o seu secretário, Mane Carola; quanta saudade, hein?

 Por que você deixou que aquela prefeitura velha do Dr. José Garcia Brandão e do Gentil Alves mudasse para outro local?

 Você tinha também seus tipos populares; recorda-se? A Rita Bonita, sempre exageradamente maquiada, que dizia possuir milhões, quando, na verdade não tinha um centavo e o Tota,  que se zangava quando algum menino dizia: O Tota morreu, o couro é meu...

Se você, minha amiga não fosse tão teimosa em querer acompanhar o alargamento progresso deste nosso Brasil forçado, eu sei, por administradores gulosos, nós não poderíamos perder tanta cousa!   

 Sabe por quê não voltei ai para ver você e matar saudades? Não sabe?

Foi para não chorar!  Porque filho adotivo também chora!

Se eu voltasse a vê- la agora, nos dias atuais de moça bonita como a transformaram, eu seria obrigado a não gostar deste malfadado progresso que metamorfosea em cidades graciosas as que eram feias!

 Mas este não é o seu caso porque, aos meus olhos, você sempre foi bonita e bonita demais!

 Por isso, minha querida, não repare e não pense ser ingratidão esta minha ausência!   Porque eu não quero é chorar para evitar minhas lágrimas venham manchar seu vestido novo e estragar os seus sapatinhos pretos da cor do asfalto... E com este gesto magoar você!    Isto eu não quero, mesmo!”