# Milton Magalhães

Patrocínio que Vivi de 1939 a 1946

20 de Outubro de 2019 às 08:38

 

( foto arquivo POL da Praça e Igreja de Santa Luzia em Patrocínio (MG). Hoje muito  mais do que uma crônica, trago uma grande lição. Quantos nasceram em Patrocínio, e estão aí, desprezando  e desvalorizando  em palavras e atos,  esta linda  cidade natal. Mas veja isto: Uma família há mais de 60 anos se mudou de Patrocínio. Nunca regressam. Aqui viveram  de 1939 a 1946, em um tempo de precariedade e escassez, mas de amor autêntico e contagiante. Jamais  esquecem o aconchego da cidade e a gentileza contagiante do  povo.  Trata-se da família do Sr. Gentil Murce.

Patrocínio rima mesmo com fascínio, cujo  significado é  “sentimento ou sensação de profundo encanto; deslumbramento ou encantamento" O patrocinense de hoje,  precisa resgatar o amor pela própria cidade. Precisa sabe que este amor especial, impregna no íntimo das pessoas e gera este sentimento. A crônica que publicaremos de autoria de Décio Ferreira, é a prova disto.O filho  do Sr Gentil Murce, (escrevia Gentil Murse, com”s”)  o pai,  autor da crônica “Patrocínio dos Meus Tempos”, sobre a qual fabulamos uma resposta: “Resposta à Carta "Patrocínio dos Meus Tempos",  publicada por nós em nossa coluna na Gazeta e aqui em Nosso Blog. Pela gentileza de Dona Toniquinha Borges, a  publicação chegou ao conhecimento de Lúcia (em Belo Horizonte) e através dela,  a  Décio, (em Recife) ambos  filhos dos Sr Gentil.O incrível é que a família residiu em Patrocínio, apenas 07 anos, (repito) mudaram-se e não mais voltaram a cidade, todavia, entesouraram tantas lembranças da terra adotiva no coração, que, em terras distantes, foram transformadas em belas crônicas. “Patrocínio, cidade onde passei parte de minha infância e juventude é hoje para mim um caleidoscópio de saudades. Nunca mais vi aquele céu tão estrelado como eu via lá. Não cabia nem mais uma estrela”...

Décio Ferreira, agora com o nosso email e nosso endereço postal,  nos enviou uma coletânea de 12  crônicas impressas,  relacionadas  á sua vida em Patrocínio neste  período de 1.939 a 1.946. Teremos o imenso privilégio de publicá-las: “Milton. Sou médico veterinário como foi meu pai Gentil Murce. Aposentado pelo Governo Federal.  Metido a cronista. Um eterno saudosista. Fui parar em Recife porque fui convidado a fazer um trabalho e fiquei por  aqui. Sempre estou indo a B. Hte. 

Tenho a tenra idade de 84 anos com muita saúde e disposição.
Abs e muito obrigado. Décio.”

Nós, patrocinenses,  é que lhe agradecemos pela boa memória que você e sua família conserva e descreve:

“PATROCÍNIO QUE VIVÍ DE 1939 A 1946

(Foto: Portal Rede Hoje- Memória -  Luiz Antônio Costa)

A minha querida Patrocínio era como uma grande lingüiça, cujo recheio era amizade, cultura, honestidade e trabalho.

Deveria ter cerca de dois quilômetros de extensão. Começava um pouco antes da praça da Matriz e ia até a uma estrada de terra que ligava á estação de trens da Rede Mineira de Viação. Só passava por dia dois trens. Um para Belo Horizonte, fazendo baldeação em Ibiá no trem que vinha de  Araxá. O outro passando por Monte Carmelo ia até Goiás.

Parece que a cidade começou na Praça de Santa Luzia e foi crescendo em sentido comprido para os dois lados. Todas as ruas eram encascalhadas. Aí daquele que levava um tombo Saia todo ralado.

A cidade era quase plana. Somente havia uma montanha no fim da cidade onde passava ao lado as linhas de trem. No pé dessa montanha eu catava bastonetes sextavados de turmalina.

Duas ruas margeavam as laterais das três praças. Eram as Ruas Cesário Alvim e a São Miguel, onde existia o cabaré Taça de Ouro. As mulheres não passavam pela Rua São Miguel porque era a rua das putas. Quando toda Patrocínio dormia a rua São Miguel estava acordada.

A Praça da Matriz tinha o Colégio Imaculada Conceição e bem próximo o Colégio Dom Lustosa, onde estudei. Ambas instituição de ensino eram dirigidas pelas Irmãs e Padres da Congregação do Sagrado Coração de Jesus. Era uma praça majestosa com a imponente Igreja Matriz. Nessa praça moravam as famílias mas abastadas. No fundo da Matriz, não tinha ruas. Era só caminhos que iam para algum sítio e para o poção em que a molecada toda pelada tomava banho.

Pelas laterais da Praça da Matriz  nasciam duas ruas que iam dar diretamente na Praça Honorato Borges, onde tinha o Grupo Escolar do mesmo nome, onde eu conclui o quarto ano primário. O  grupo tinha dois turnos. Pela manhã para os meninos e a tarde para as meninas. Nada mais era que uma segregação de sexo.

Na esquina do lado esquerdo da Praça Honorato Borges tinha um casarão do Major Tobias Machado. Quando chagamos de mala e cuia para Patrocínio foi lá que fomos morar, depois de fazer um estágio na Pensão de D.Natinha.

Nessa praça tinha o Forum da cidade, cujo juiz era o nosso amigo Dr. Tedim. Na Praça do mesmo nome lado esquerdo ficava o Cine Triângulo. Naquela época os filmes eram rodados por partes em películas de celulóide.

Na Praça Honorato Borges se fazia o chamado vai-vem vendo as moças passarem. Era a paquera da época. Todos os sábados e domingos era a mesma coisa.

No centro da praça tinha o coreto.

Cerca de 1943 foi construído o Cine Rosário. Na parte de cima do cinema tinha o Clube Social de Patrocínio. Local dos bailes e algumas celebrações importantes. Do lado do cinema tinha um bar do mesmo proprietário. Lembro-me que a praça ficava a pensão de D. Natinha. O Banco Mineiro da Produção fazia parte do conjunto arquitetônico da praça. O gerente desse banco na época era Sr. Aquino, pai de meu grande amigo Zuza (Eduardo Lara de Aquino) que morreu num acidente de carro. Após a morte do Sr. Aquino o substituto foi o Sr. Saldanha, cujo filho Selênio Saldanha tornou-se meu amigo e colega.

As duas ruas que nasciam na Praça Matriz e passavam pela Praça Honorato Borges continuavam até a Praça de Santa Luzia. A rua do lado direito morava o prefeito Dr. Brandão. A rua do lado esquerdo  passava pelos Correios e terminava exatamente na esquina da casa de meu grande amigo Ronan Gonçalves. Casa essa que dava os fundos para o Hotel Santa Luzia, cujo proprietário era um tal Roquete que morreu na prisão por ter assassinado um hóspede que transou com uma camareira que era amante dele. Moramos nessa praça por cerca de três anos em frente a igrejinha de Santa Luzia. Um bando de andorinhas moravam nessa igreja. Á tardinha elas em alvoroço despediam do dia. Coisa mais linda. Parece-me que a Igreja Santa Luzia foi pedra fundamental para o nascimento de Patrocínio.

Da Praça de Santa Luzia iniciava um extensa avenida que ia terminar perto da estação de trens. No fim dessa avenida do lado esquerdo ficava o campo de futebol do Ypiranga. Quase no início da avenida morava a família Tavares que tinha uma loja de tecidos. Os Tavares foram homens de proeminência na política estadual de Minas Gerais.

Um pouco mais acima morava o Tenente Amorim. Entusiasta de futebol e outros esportes. Ele era sempre o árbitro nas disputas futebolísticas. Vem também na minha lembrança as casas da família Lasmar e do exímio jogador de futebol José Salomão. Foi ele quem inventou a paradinha na hora de  bater o pênalti. Quase no fim da avenida morava meu  grande amigo e colega Afrânio Amaral que chegou a ser prefeito de Patrocínio na época do governo Militar. Eu e o Afrânio  moramos juntos no Rio de Janeiro. Trabalhamos no Grupo Executivo de Eletrificação Rural onde ele era o presidente.

No fim da avenida morava João Marques, fazendeiro e dono de uma usina de beneficiamento de  arroz. Seu filho Joãozinho Marques era muito meu amigo. Morreu num desastre aéreo.

Nas laterais de Patrocínio passavam dois córregos limpos. O cemitério ficava depois do córrego do lado esquerdo, depois de um pequeno pasto.

Assim era a cidade de Patrocínio."  

Décio Ferreira, residiu em Patrocínio de 1939 a 1946, atualmente reside em  Recife – Pernambuco.