Censo. Ele sempre desperta curiosidade. No realizado em 1920, a cidade tinha 84 estrangeiros. Os distritos patrocinenses de Coromandel, Abadia dos Dourados, Serra do Salitre e Cruzeiro da Fortaleza tinham mais alguns. Além de poucos italianos, ingleses e norte-americanos, a predominância era gente de origem árabe. Mais especificamente, libaneses. O desenvolvimento do Município, nos últimos cem anos, comprova a dimensão da gente oriunda do Líbano para Patrocínio. Principalmente, no comércio e indústria. O apogeu mercantil libanês na urbe ocorreu nos anos 50/60/70. A Av. Rui Barbosa transfigurou-se no seu lugar preferido.
PARAÍSO LIBANÊS – Nos anos dourados (décadas de 40 a 70), na principal avenida de Patrocínio, desde a Praça Santa Luzia até a Av. Faria Pereira, existiram diversos estabelecimentos comerciais de famílias de origem do Líbano. A começar pela Loja do Jamal (o comerciante Jamal era libanês puro sangue), situada no térreo do Hotel Santa Luzia. Posteriormente, Casa Libaneza de Rabah Issa. Depois, o luxuoso Cine Patrocínio, dos irmãos Jorge e João Elias. Ainda na praça (na pista da avenida), localizava a Casa São Paulo (do libanês Chucre). Ao lado, na esquina, com Rua Elmiro Alves do Nascimento, Casa das Louças (de Nadim Antônio Isaac, depois de Zico Mansur), especialista em objetos domésticos, inclusive rádios. Do outro lado da rua, onde começa propriamente a avenida, localizava-se a Casa Facury, onde se encontrava tecidos, muitos brinquedos e chapéus marca Ramezoni. É bom lembrar que os variados tecidos (chita, casemira, brim, seda, tergal, seda, etc.) eram destinados pelos compradores aos alfaiates e costureiras para o fazimento das calças, vestidos, saias e outras peças. Do outro lado da avenida, em frente à Casa Facury, a Casa Mansur (de Antônio Mansur). Um pouco acima, à direita para quem sobe a avenida, a Casa Daura (de José Daura), família dos engenheiros Ibrahim e Alberto Daura. Camisas Ban-Lon e calças/saias de “naycron” eram a moda dominante. Mais tarde, surgiu a Daura Car, em outro local da avenida.
E TEM MUITO MAIS – Ainda na Av. Rui Barbosa, nº 304 após a Rua Bernardo Guimarães, a Casa de Calçados, de Abrão Elias Nader (irmão de Jorge Elias). Na esquina das avenidas Rui Barbosa e Faria Pereira, era o endereço da Automig (Miguel Felippe S.A.), revendedor Ford e Esso, da família Wadhy e Lutfala. Ainda nesse cruzamento, porém do lado oposto, havia o Posto (de combustível) São Cristóvão, revendedor Shell e dos veículos (nacionais) Vemag (DKV e Vemaguete). A propriedade era dos irmãos Felix (Nazir Felix foi presidente do inesquecível CAP/1963). Casa Brasil (brinquedos e tecidos), de Brasil Antônio Isaac (Fone: 558) também na Rui Barbosa. Loja Moisés (de Maria Moisés), essa fora do eixo da Avenida.
INTELECTUAIS DE ORIGEM ÁRABE – Dois médicos, dois irmãos da família Wadhy. Dr. Michel Wadhy (fundou a Academia Patrocinense de Letras, em 1982) manteve o seu consultório na Av. Rui Barbosa, quase Rua Pinto Dias. Dr Latif Wadhy residia na Praça Santa Luzia (entre o Cine Patrocínio e a Casa São Paulo). Ainda na Av. Rui Barbosa, residia a irmã dos dois médicos, professora Laga Wadhy (ginásios e Escola Normal). |
A MAIOR INDÚSTRIA – O Frigorífico Dourados, antes Frigorífico Patrocínio, dos irmãos Jorge e João Elias, situado (ainda) na Av. José Maria Alkmim (anos 50 e 60), tornou-se nos anos 80, o maior arrecadador de ICMS de Patrocínio e o 4º maior frigorífico de Minas.
FÁBRICA LIBANESA – Em 1964, existiu a Malharia Rusnam (Mansur ao contrário), de João Mansur, na Praça Santa Luzia, 149, Fones 425 e 346. Lá fabricava vestidos, blusas, camisas e conjuntos. Perfumaria em geral era encontrada na loja Narciso Azul, de Rosa Isaac, na Av. Rui Barbosa, 197, Fone 292.
ATÉ NO FUTEBOL – Nazir Felix comandou o CAP, chamado em 1962/63/64, de Atlético Patrocinense. Equipe de Edward, Jovelino, Gulinha, Dedão, Totonho e companhia. De 1967 a 1974, Jorge Elias liderou o Patrocínio E.C., versão com outro nome do CAP (que devia à FMF). Simplesmente foi campeão do Triângulo. Nos anos 60, atletas descendentes de libaneses participaram de equipes patrocinenses. Como exemplo, o atacante Dizinho (Wadhy Rebehy Neto) que atuou pelo acadêmico Flamengo e Seleção de Patrocínio.
SEM DÚVIDA ALGUMA – A presença dos libaneses e de seus herdeiros (em termos de raça e cultura) em Patrocínio transformou-se na maior colônia estrangeira no Município. Tornou-se parte peculiar da gente patrocinense. Inseparável. Família gêmea, de verdade.
SOBRE O LÍBANO – A Capital é Beirute. País a leste do Mar Mediterrâneo. República entre a Síria e Israel. Civilização de mais de 7 mil anos de história. Província da França, desde a 1ª Guerra Mundial até 1943. Após a Guerra Civil Libanesa (1975-1990), era chamado de a “Suíça do Oriente”, devido o seu poder financeiro. Mulçumanos: 61%, cristãos: 34%, drusa: 5% dos 6.825.000 habitantes. Por lá estiveram fenícios, assírios, persas, gregos, romanos, árabes e turcos otomanos, além dos franceses. E até Alexandre Magno em 332 a.C. Árabe é a língua oficial nacional. A moeda é a libra libanesa. Lá o pai é quem tem poder sobre a esposa e os filhos. Mesmo se o pai morre, a responsabilidade pelo filho não é da mãe, é da família do pai. E é dessa incrível terra de apenas 10.452km² de superfície, e, de grande empreendedorismo comercial, que vieram dezenas de libaneses para o município de Patrocínio, ao longo dos últimos cem anos.
([email protected]) *** Crônica publicada também na Gazeta de Patrocínio, edição de 24/09/2022.