Fevereiro. Mês que acolhe acontecimentos marcantes da (nossa) amada Patrocínio. A inauguração do educandário “Ginásio Dom Lustosa”, em 27 de fevereiro de 1927, tornou-se o alicerce mais sólido, por quase 35 anos, da intelectualidade e cultura patrocinense, e, regional. Nessa época (até 1961), sob a administração e ensino dos padres holandeses. Portanto, a escola (agora pertencente à Rede Estadual) completa 98 anos de existência. Por outro lado, e em outro tempo, justamente em 25 de fevereiro de 1978, foi lançada no Jornal de Patrocínio (JP), uma modesta coluna/crônica dedicada ao seu “mundo”, denominado município de Patrocínio. Puramente (100%) amadora, não envolvendo dinheiro, remuneração, comerciais, nem “mimos”. Apenas amor e paixão. Na atualidade, é publicada na Gazeta de Patrocínio, Rede Hoje e Patrocinioonline. É esta “Primeira Coluna”, a caminho dos seus 48 anos de vida, ininterruptos. Por fim, 12 de fevereiro de 1997 faleceu o maior nome, a maior lenda, do jornalismo de Patrocínio. Então, há 28 anos, o imortal Sebastião Elói integrou-se à terra que tanto adorava. Dele, trechos da história patrocinense, extraídos de seu eterno poema “Aquarela do Menino Rangeliano”. Personagens e fatos da cidade nos anos 10 e 20 do século XX. É um pouco da história de Patrocínio, há mais de um século.
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FUTEBOL EM PATROCÍNIO EXISTE HÁ 110 ANOS! – Apenas pouco mais de 20 anos que o futebol foi trazido da Inglaterra para o Brasil (1894), a bola “rolou” na cidade, provavelmente, em um campo (sem muros), onde é hoje a Praça Honorato Borges e Escola Honorato Borges. Em sua epopeia, Sebastião Elói descreveu: “... Ser menino rangeliano era assistir ao jogo de futebol, em 1918, do Patrocinense Futebol Clube...”.
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A DESTRUIÇÃO DE TRÊS IGREJAS CATÓLICAS – Além de jogar no chão, o Fórum e a Cadeia (na região próxima, hoje, ao Instituto Bíblico), Elói comoveu-se com o desaparecimento de três igrejas: “... Ser menino rangeliano era assistir, impotente e ofendido, à demolição impiedosa da velha Cadeia/Fórum e das Igrejas Matriz, Santa Rita e Rosário. Um crime, de merecer condenação por juiz e delegados, pois hoje deveriam ser monumento nacional!” Nesse tempo, a Igreja Matriz barroca tinha duas torres, e, a do Rosário (destinada aos escravos e negros) e a de Santa Rita (elite), ambas eram no Largo do Rosário (Praça Honorato Borges).
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PARTIDOS POLÍTICOS E O MEDO DOS AFONSOS – Na Velha República (1889-1930), havia no Município só dois partidos políticos, que nos anos 1940, transformaram-se na UDN e antigo PSD. Eram, respectivamente, o Mugango e o Catimbau. Prossegue Tião: “... Ser menino rangeliano era também ser bom cidadão. Obediente ao Partido de seu pai, fosse Mugango ou fosse Catimbau. Não vendendo a sua consciência, de jeito nenhum...” Também escreve: “... era para não ter medo de homem maduro, exceto os Índios Afonsos, é claro.” Esse temor aos Afonsos, celebridades descritas por Bernardo Guimarães e por este cronista, aparece em duas estrofes de Tião Elói (Briola),
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“ANTÔNIO CONSELHEIRO” PATROCINENSE – No final do Império Brasileiro surgiu na região de Salitre e São Benedito uma seita de fanáticos religiosos, tipo a que ocorreu em Canudos (Bahia, 1897). O líder foi José Antônio de Souza, conhecido como Pai Eterno ou Padre Eterno. Com muito sangue e mortes, esse movimento social e religioso foi combatido violentamente por militares e fazendeiros do Município. Briola em seu poema: “... Ser menino rangeliano... é saber que, em Patrocínio, no povoado de São Benedito, houve um fanatismo religioso forte, cujo chefe, José Antônio de Souza, se intitulava Padre Eterno, fanatizou gente e mais gente no século passado (XIX). A política, o Juiz de Direito e a Polícia acabaram com ele ...”
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CASA CONSTRUÍDA NO MEIO DA RUA! – A atual Rua Governador Valadares era para ser similar à Rua Cesário Alvim. Tião Elói narrou o fato em sua obra: “... Ser menino rangeliano era saber que o Sô Franklin dos Santos, para irritar os Mugangos, construiu a sua casa bem defronte à antiga Rua Sete de Setembro, hoje, Governador Valadares, barrando o seu prosseguimento até ao alto da Serra do Cruzeiro...” (hoje, na Av. Faria Pereira, onde termina a Rua Governador Valadares).
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O QUE É INACREDITÁVEL AGORA – “Ser menino rangeliano era saber apanhar juá doce ou juá manso, a melhor fruta campestre do Brasil... era saber nadar e mergulhar no nosso antigo Córgo do Rangel, hoje conspurcado pelo progresso... mas era também xaropar o Cinema Popular, do Teodorico Machado, que exibia fitas (filmes) do Tontollini e de Cri-Cri...”
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NOVIDADES: TREM, LUZ, TELÉGRAFO, CARRO – Em sua viagem (pela imaginação e recordação) a Patrocínio, no começo do século XX, Sebastião Elói dos Santos (que nasceu em agosto de 1906) destaca grandes raridades no cotidiano de sua (e nossa) Santa Terrinha. “... Ser menino rangeliano, era pegar mala dos passageiros na chegada do trem de ferro, lá no alto da Estação da Estrada de Ferro Goiás, para ganhar uns cobres (dinheiro)...” A ferrovia em Patrocínio foi inaugurada em 1918. “...Era contemplar embevecido a luz elétrica posta numa parte da cidade pelo Dr. Veridiano. Que beleza! Que clareza!...” No Brasil, as primeiras centrais elétricas foram em Diamantina (1883) e Juiz de Fora (1889). Em Patrocínio, ocorreu 30 anos depois (por volta de 1920), por meio de pequena hidrelétrica, pertencente a empresa de patrocinenses.
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... SEGUEM AS NOVIDADES NA ANTIGUIDADE PATROCINENSE – “Ser menino rangeliano era conhecer o automóvel Ford antigo, que investia em quem lhe tocasse a manícula!” (manivela para dar partida). Segundo o arquivo deste escritor, o primeiro automóvel chegou a Patrocínio em 1914. A outra modernidade foi o Telégrafo (primeiro sistema de comunicação a grande distância, hoje obsoleto). O primeiro telégrafo nacional instalado foi no Rio de Janeiro, em 1852. Em Patrocínio, em 1916-1917, já existia telégrafo, segundo o “Diccionário Chorographico e Estatística de Minas Geraes. Em Minas, o telégrafo chegou em 1869. Elói: “... Ser menino rangeliano era ver o elegante Maximino, telegrafista, receber telegramas pelo sistema Morse, quando se inaugurou o Telégrafo Nacional em nossa cidade.”
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MAIS LEMBRANÇAS... – Dele, Sebastião Elói, ainda extrai-se que ser menino rangeliano era andar descalço... jogar biloca e pião... jogar bola atrás do cemitério, onde é o Asilo de São Vicente... andar pelos campos chupando gabiroba, bacupari, articum, mangaba, e outros frutos nativos... ter sido matriculado na inauguração do “Grupo Escolar Cel. Honorato Borges”, em 1914 (de 1914 a 1930, situado no Largo da Matriz, onde é hoje Berlaar)... era beber escondido, no Córgo do Rangel, o doce e gostoso Vinho Generoso, fabricado em família pelos Pierucetti, no Largo Tiradentes...
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POR FIM – Os patrocinenses saudosistas de agora fazem suas a última estrofe do Briola:
“... são quase cem anos de destruição!
Que saudade doída, doidamente gostosa
do menino rangeliano
que nem tem mais com quem recordar
senão escrevendo, sofrendo, escrevendo
esta saga triste, este poema tosco,
brinquedo partido, perdido,
jogado no chão, neste eterno chão da terra-mel.”
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NOTA – O poema “Aquarela do Menino Rangeliano”, homenagem ao sociólogo patrocinense Júlio Barbosa (professor na UFMG), foi publicado pela “Gazeta de Patrocínio”, em 1987.
([email protected]) *** Crônica também publicada na Gazeta de Patrocínio, edição de 08/02/2025.