Em certa ocasião alguém perguntou a Galileu Galilei:
- Quantos anos tens?
- Oito ou dez, respondeu Galileu, em evidente contradição com sua barba branca.
E logo explicou:
Tenho, na verdade, os anos que me restam de vida, porque os já vividos não os tenho mais.
Sapientíssima resposta. Dentro desta perspectiva não me é dado precisar quantos janeiros e dezembros acrescentarei á minha coleção de anos. Oxalá, sejam algumas dezenas a mais, pois, cedo me atirei na correnteza da sobrevivência, nas braçadas do dia a dia tive que jogar alguns sonhos para depois. Hoje , agora, se a magricela do capuz negro me aparecer com o seu veredito final, confesso que vou resmungando. Para mim a missão seria curta e não estaria cumprida. Deixei muito pra depois...Sabe aquela lista dos 10, 20, 50 lugares para conhecer antes de morrer? Então. Disse outro dia, em nossa página no Face, ainda não conheço o Instituto Inhotim, a Biblioteca Nacional do Brasil, o Museu da Língua Portuguesa. Ainda não conheço os Campos de tulipa na Holanda, o Túnel do Amor na Ucrânia. Não comi uma pizza em Veneza, aliás, ainda não fiz um convescote ali na Cachoeira dos Borges.
Os anos que não tenho, já vão passando dos cinquenta. Dentro do meu senso de limites, vi e provei um tiquinho de tudo. Como diz a música de Márcio Faraco: “ O tempo tanto me leva , quanto me deixa pra trás...fera que nunca adormece” Já se vai longe, longe, as brincadeiras no quintal/floresta, na Barra do Salitre. Do mesmo modo, já se vai longe, longe, as traquinadas com os amigos no Fundão da Matriz.
Rubem Alves, sempre Rubem Alves, disse “Quem sabe que o tempo está fugindo descobre, subitamente, a beleza única do momento que nunca mais será…” É por isto que me tornei um amante de nascer do sol. E como dou valor! Cada dia é uma dádiva, repleta de nunca mais.
Um exemplo conhecido do que acontece quando envelhecemos é o que ocorre na savana africana. Quando uma leoa ataca uma manada de antílopes, a maioria dos bichos escapam dando saltos assombrosos e, no final, quem acaba nas garras dos felinos são os animais velhos, que já não conseguem acompanhar os mais novos. “Em linhas gerais, o envelhecimento é isso: a perda gradativa das reservas que todos os organismos têm para usar em momentos de estresse." Por enquanto estou no grupo que tem se escapado. Nunca passei uma noite internado num hospital. Em meu trabalho de mais de trinta anos, cada vez mais exigência de rapidez, precisão e produtividade. Ainda posso contar meus cabelos brancos nos dedos de uma única mão. Tenho muita lenha para queimar, como diria minha vó, lá na roça. Quero dizer, espero que tenha. Nada sei dos anos que me restam.
Ainda bem que na prática há vida depois dos cinquenta. Yoko Ono, a viúva de John Lennon, que o diga. Artista plástica, musicista, cineasta de vanguarda e ativista, Yoko Ono completou 80 anos. Voce não daria 80 anos para o Sumo Pontífice, Papa Francisco; atriz Eva Wilma; escritora Marina Colasanti. Muito menos para Rondes Machado, Paulinho Constantino e Joaquim Machado. Dou tranquilo, 60/70, para os seis citados. Saudáveis, lúcidos, fecundos, realizados e felizes. Que exemplos!
A vida é movimento ascendente, ou descendente? É um movimento. É dinâmica. É maleável. É muito mais o que nós fazemos dela, do que o que ela faz de nós. Somos artesãos do nosso destino. Deus nos confia a matéria – prima, o resto é com a gente. Através de nosso livre arbítrio, escolhemos as estradas, as palavras, as curvas, as retas, as cores, os contornos, as paisagens, os relevos, as ondulações, os vales as colinas... por fim, emolduramos a nossa obra de vid/arte. Aliás, lembra o que disse Ferreira Gullar?: “A arte existe porque a vida não basta".
Procuro olhar para o futuro com serena tranquilidade, adoro o que diz Ricardo Gondim: “Almejo continuar amando a vida mesmo consciente de suas oscilações. Em seus momentos diversos, perseverarei diante do insólito. Se for surpreendido por novas dores e se a morte ameaçar, pretendo misturar coragem à ternura. Não permitirei que alguém apague a minha frágil centelha antes da hora. Ainda que tragédias se repitam, sem dar tempo de tomar fôlego, gritarei: não desisto, nasci para viver!”
Mas, se tem uma coisa que me dá birra, é essa gente de minha geração e sua mania, de jogar tudo lá para o futuro. Meus Deus! quanta coisa agendada para 2050. Até lá estão dizendo que as aposentadorias se darão aos 85 anos, pois a expectativa de vida (Segundo, Temer) pode chegar a 120 anos. As megacidades com mais de 200 milhões de pessoas e carne de laboratório. Até 2050, dizem que vão curar o câncer e eliminar a pandemia da AIDS. O cigarro deixará de existir. Até 2050, células trocos farão milagres. Partes do coração, do pulmão e até o cérebro poderão ser substituídos. Metade da frota mundial será elétrica ou a hidrogênio. Este prognóstico me alegra, sim; mas me aborrece, também. Simples: Faço as contas e, embora não saiba os anos que me restam, sei que não serei contato entre os 9 bilhões de pessoas que nosso planeta, segundo dizem, terá até lá.
Há, meu Deus, enquanto isto, preciso de muitos dias e noites para genuflexo aos pés de Cristo agradecer-lhe pela Graça, pois para mim o inferno seria o maior prêmio. Ele, a Estrela da Manhã, o Lírio dos Vales, o Escolhidos entre os Milhares, amou-me de modo especial. Preciso de muitos dias, ternas tardes e noites aos pés de Machado de Assis, Mario Quintana, Manuel de Barros, Calos Drummond de Andrade, Adélia Prado, Fernando Pessoa, João Cabral de Melo Neto, Murilo Mendes, Rubem Braga...
Chico Buarque, disse numa revista da Gol e eu anotei: “Gosto muito da vida, não quero morrer, não. Quero viver bastante. E viver bem. Acho que com saúde, fazendo as coisas direito, dá para viver um bocado mais,. Gostaria de viver com saúde e com imaginação, com vontade de criar coisas. Aos noventa e tantos anos e virando a noite por causa de uma música, por causa de um livro. Formidável”.
Devo continuar escrevendo. Se tive alguma vaidade ao deparar com o meu nome estampado nas páginas de um jornal, isso ficou lá atrás na poeira dos anos. Sigo escrevendo sinestesicamente, gosto de ouvir o perfume das palavras diante de meus olhos. Que ninguém tente encabrestar a minha escrita. Ela é livre. ”Uns escrevem para salvar a humanidade ou incitar lutas de classes, outros para se perpetuar nos manuais de literatura ou conquistar posições e honrarias. Os melhores são os que escrevem pelo prazer de escrever” Tirou daqui, Lêdo Ivo.
Não sei quantos anos me restam, com a graça de Deus, devo continuar produtivo, esperançoso, aguerrido e feliz.
Declaro e reafirmo para todos os fins, que pretendo permanecer neste planeta por muito tempo. E depois deste ‘ muito tempo’, espero estar em um lugar bem especial. Quer saber? Darei uma dica. Como Saadi dizia: "Quando eu morrer não me procure nas tumbas... Me encontre no coração dos amigos.”