Nome. Qual é o mais falado na história de Patrocínio? Dele até surgiu o sinônimo de patrocinense. Ou seja, rangeliano. Mas quem é esse personagem? Há versões. Sebastião Elói contou uma para este escriba amador, que pesquisou outras. Conclusão: são dois com o mesmo sobrenome. Vale a pena reproduzir os rabiscos deste autor, que completa 40 anos na militância por Patrocínio.
SÉCULO XVIII, LIMIAR DO SÉCULO XIX: RANGEL, O FAMOSO – Desde a implantação da estrada Picada de Goiás, em 1736, ligando Vila Rica e Pitangui a Goiás, a região constitui-se em um dos principais pontos de hospedagem e abastecimento. Inclusive é a razão do surgimento de Patrocínio, quando da fundação da Fazenda Bromado dos Pavões, em 1772. Com isso, famílias e aventureiros de outros lugares começam a fixar moradia no então Salitre, depois Arraial de N. S. do Patrocínio. Um deles, talvez o principal, vindo de Lorena, Estado de São Paulo, chama-se Antônio Rangel Galião.
RANCHO DO RANGEL – De início, constrói um rancho à beira do córrego de águas cristalinas, destinado à pousada de tropeiros, que passam pela região, indo e vindo de Goiás e Paracatu. A hospedaria situa-se à margem do córrego que, posteriormente, leva o seu nome. O rancho também destina-se ao lazer, sobretudo envolvendo mulheres (o rancho ficava junto ao Córrego Rangel, próximo ao bairro Morada Nova hoje, onde existia vasto pasto, nos velhos tempos).
O MITO – Algum tempo após sua chegada, Rangel mata sua esposa por estrangulamento. Pouco depois, casa-se com uma das moças que trabalha no já conhecido rancho. Ele é o responsável pela criação e impulso do comércio, destacando o noturno, onde os jogos, a bebida, as mulheres, a farra e até o tiroteio fazem o cotidiano. A fama dele espalha por outras regiões. Fazendeiros vêm de longe para participar das noitadas no Rancho do Rangel.
UMA HISTÓRIA DA COLÔNIA PORTUGUESA – Certa vez, no tempo do Rangel, um comboio de carros de boi, transportando cargas para Paracatu, pernoita no Arraial de N. S. do Patrocínio. Na comitiva há um grupo de mulheres, que também vai para Paracatu. Naquela noite, elas desentendem com os carreiros – homens que conduzem a comitiva; guias – e são impedidas de seguir viagem. Sem dinheiro, essas mulheres constroem cabanas de folhagens para morar nas proximidades do Rancho do Rangel e do córrego. Com isso, o povoado cresce mais um pouco e torna-se centro de lazer e comércio.
1853: OUTRO RANGEL, O PODEROSO – O município de Patrocínio completa 11 anos de existência. Há renovação da Câmara Municipal. O delegado de polícia, Antônio Corrêa Rangel (descendente do primeiro Rangel, o famoso) é eleito vereador. Mas sua posse acontece somente após solucionada a questão da ocupação de dois cargos públicos, levantada pelo sábio patrocinense Francisco Alves de Souza. De imediato, o delegado Rangel, muito irritado, ameaça prender todos os outros vereadores. O governo provincial, consultado, reconhece a irregularidade, mas autoriza a posse do delegado para evitar o mal maior.
TRÊS PODERES – Como forma de compensar o possível “desrespeito” ao vereador-delegado, a Câmara Municipal reúne e elege Antônio Corrêa Rangel presidente da Casa e agente executivo (prefeito). Simultaneamente, Rangel continua delegado de polícia. Com três cargos, três forças públicas (Executivo, Legislativo e policial-militar). Corrêa Rangel é o mais poderoso patrocinense de todos os tempos.
O PODEROSO E O INTELECTUAL NO IMPÉRIO DE PEDRO II – Um patrocinense chamado Francisco Alves de Souza destaca-se como um dos maiores jurisconsulto do país. Apesar de autodidata, torna-se adepto dos pensadores franceses Montesquieu e Turgot. Nesse ano, há renovação da Câmara Municipal. Entre os eleitos está Antônio Corrêa Rangel, delegado de polícia. No momento da posse, todos são oficializados. Exceto o delegado-vereador, pois Francisco Alves levantara a dúvida da inviabilidade de acumulação de duas funções públicas. Irritado, Rangel comandando a força policial, cerca o sobradão, onde funciona a Câmara Municipal, o Juizado e a cadeia (no Largo do Rosário, depois Praça Honorato Borges, próximo ao Instituto Bíblico). Ameaça prender os novos vereadores.
Novamente, a ponderação de Francisco entra em ação. Consultadas as autoridades provinciais, reconhecem a irregularidade e o pouco esclarecimento da Legislação. Por isso, sugerem a posse. Em seguida, o vereador Antônio Rangel é eleito presidente da Câmara e agente executivo (função antecessora de prefeito). E continua delegado de polícia. Segundo os historiadores, nenhum patrocinense, em tempo algum, teve tanto poder como Rangel. Simplesmente, um poderoso.
Primeira Coluna publicada na Gazeta, edição de 24/2/2018.