# Eustáquio Amaral

Reminiscências de Patrocínio por um Ilustre Acadêmico e Professor

29 de Julho de 2020 às 09:55

Cultura. A erudita e a popular em um só escritor. Isso é possível. Tratando-se de (nossa) Santa Terrinha e região, nos anos 80 principalmente, surge Júlio César Resende. Coromandelense de nascimento, patrocinense de coração e patense por adoção. Aos 71 anos, Julinho, como é chamado pela família e amigos, reside em Patos de Minas. Um “chato” flamenguista! Viveu em Patrocínio por cerca de 40 anos. Ocupante da cadeira nº 8, da Academia Patrocinense de Letras, desde a sua criação em 1982. Daí, par de gente de expressão como Dr. Michel Wadhy, Gerson de Oliveira, Jesus Santos, Sebastião Elói, Edgard de Andrade Rocha, Paulo Acácio Martins, Alberto Araújo e Dr. José Garcia Brandão. Um pouco de suas obras literárias e de suas manifestações é sempre deleitável recordar. É um imortal.

LIVROS – Para os patrocinenses, inclusive este escriba, as suas duas principais obras foram “As Ruas de Patrocínio” e “Patrocínio, Nossa Terra, Nossa Gente”. O primeiro em duas edições, 1979 e 1986. Sobre ele, Gerson de Oliveira se expressou: “... A toponímia singela, às vezes curiosa, às vezes lírica, dos logradouros públicos criados na velha Patrocínio (lembrem-se Beco dos Aflitos, Beco do Boulevard, Beco do Coronel Macaúbas, Beco do Patico, Rua das Pedras, Rua da Casa Branca, Rua das Casinhas, Rua Direita...) venha o inteligente pesquisador a encetar preciosa busca de novas luzes para a revivencência da história de nossa gente.

RECORDE – Nessas últimas quarenta décadas, tornaram-se os dois livros mais lidos, mais consultados, da história rangeliana.

O SEGUNDO LIVRO – “Patrocínio. Nossa Terra, Nossa Gente” foi publicado em 1986. Nele, com ótima redação, há um resumo da evolução histórica patrocinense. Destacando-se os prefeitos (até então) e suas principais realizações, os meios de comunicação, a economia, o esporte, a arte e expressivas poesias/letras musicais de autores patrocinenses. Além do que, registra personagens folclóricos e lugares inesquecíveis de anos anteriores. Sobre o livro escreveu o juiz, acadêmico e cronista Edgard de Andrade Rocha: “Porque só se ama aquilo que conhece, o Prof. Júlio César de Resende faz grande bem à nossa terra e à nossa gente, publicando esse livro.

CARTA HISTÓRICA – Em 10 de novembro de 2005, o consagrado escritor, já residindo em Patos de Minas, nos escreve. Publicamos parte de sua missiva. Para situar melhor os leitores de gerações mais recentes, este cronista complementa entre parênteses as encantadoras lembranças de outrora.

 

Meu caro Eustáquio, um teste para molhar de lágrimas os olhos de seus leitores.

Você está ficando velho, se ainda lembra (anos 50 a 70):         

  • das camisas de bouclê e ban-lon e, da saudosa “Volta ao Mundo”, que se usavam para ir à Churrascaria Alvorada (camisas de tecido sintético, da moda, que não se amarrotavam, para ir ao “point” da cidade);
  • do Gordini branco do Prof. Franklin (menor carro do que o Fusca);
  • do Bar Itapuã, dos irmãos Antônio, Manuel e José (Praça Honorato Borges, o melhor bar);
  • da jardineira de escadinha, que ia de Patrocínio a Coromandel, dirigida pelo Pedro Jardineira (a escadinha atrás era o acesso ao bagageiro em cima do ônibus. O expresso União também usou essa jardineira na linha Patrocínio-Belo Horizonte, final da década de 50, às vezes dirigida até pelo empresário Nenê Constantino);
  • da sapataria do Pixe na Rua Governador Valadares (esquina com Honorato Borges. Pixe mito do Operário F. C. e União Operária);
  • do Armazém do Sr. Rubens, na Rua Coronel João Cândido (esquina com Rua Governador Valadares – mercearia de cereais a quilo, principalmente);
  • da loja do Pier, na Rodoviária antiga (primeira rodoviária, em frente ao Mercado Municipal; pequeno bazar de brinquedos e bugigangas);
  • do programa Peça Bis pelo Telefone, apresentado pela hoje médica Auxiliadora Guarda (nas tardes da Difusora; irmã do empresário Wanderley Guarda);
  • das partidas de futebol no Dom Lustosa, domingo pela manhã, onde jogavam Peroba, Ratinho, Calau, Nael, Totonho, Arlindo, Melitinho (campo do ginásio/escola com craques do Clube Atlético Patrocinense-CAP e Flamengo 1960/1961);
  • da Perfumaria Narciso Azul (em frente, à Igreja Presbiteriana, Rua Gov. Valadares);
  • do saudoso timão do Soragi (técnico da primeira equipe juvenil de Patrocínio; a maioria mais tarde, tornou-se base do CAP e Flamengo);
  • do jipão do Jeso Soldado (da PM; causava “medo” à adolescência);
  • da Padaria do Polidório (Rua Cassimiro Santos com Rua Marechal Floriano, comercializava pão e rosca, em carroças puxadas por cavalo, e, leite cru, in natura, por litro. Polidório é avô do prof. Polidório e do fiscal da receita estadual aposentado Jovelino);
  • dos cigarros Beverly, Negritos, Finesse, Lincoln, Saratoga, Atenas, Caporal Douradinho e Continental;
  • dos santinhos do padre Lamberto (vigário holandês em 1939/40 e 1957/67);
  • da risada do Melito, após ingerir dois baldes de cachaça (forte homem de 1,70 de altura, raça negra, maior vaqueiro da história patrocinense. Após a pinga, ao ver mulher bonita, dizia: “orgulhosa...cheirosa... invejosa... deixa istá... é a vida... sou preto... e ia dando sonora gargalhada pelas ruas da velha cidade);
  • do Pitoca, com suas coloridas gravatas (personagem ingênuo do folclore);
  • do Barão, engraxando sapatos na entrada do Cine Rosário (ponto chique, anos 50, Praça Honorato Borges, Barão pai da locutora/Difusora Kátia Beatriz);
  • do Chico Leitão, do Tipá, do Mané Carne de Frango e do Anu (gente folclórica dos anos 60. Leitão virou música e livro; Anu, olhos azuis, terno velho e palavras impublicáveis, se molestado; Mané só queria frango e ir para Goiás);
  • da irmã Flávia, andando garbosamente de bicicleta pelas ruas da cidade (a freira era tida como a protetora das moças do internato do Colégio Nossa Senhora do Patrocínio);
  • da Dona Iraídes, diretora do Honorato Borges, de quem os alunos babavam de medo (mãe do jornalista Antônio Augusto);
  • da Regininha, uma doce figura de mendiga, que andava errante o dia inteiro (residia na região do Asilo, bairro São Vicente);
  • do tempo em que o saudoso Pedro Alves do Nascimento ainda não era bairrista (esse título surgiu quando apresentava, aos domingos, 12h, o programa Frente Patrocinense de Reportagem, na sua Difusoraj, anos 70);
  • do Sr. José Caldeira, tintureiro de renome, pai do Daniel Caldeira (esse, antigo proprietário do Bar Caçula, na Praça Santa Luzia, nos anos 60. Tintureiro era o profissional que lavava, passava e fazia pequenas reformas em ternos e calças sociais);
  • e, por fim, de tantas pessoas que desfilavam pelas ruas, praças e becos da cidade e que, hoje, descansam nas Avenidas da Saudade.

Um abraço do amigo Júlio César Resende.”

POR FIM – Isso é um pouco desse autor de oito livros, presentes na biblioteca desse escriba. Bastante úteis. “Farpas” (1978), “As Ruas de Patrocínio” (duas edições 1979 e1986), “Erros de Português e Suas Correções” (1984/1985), “Pronto Socorro Gramatical” (1985), “Patrocínio, Nossa Terra, Nossa Gente” (1986), “Gramática em Gotas” (1987) e “As Ruas de Patos de Minas”. Cronista das Revistas Presença (80/90) e Debulha (Patos de Minas), e Jornal de Patrocínio. Radialista (anos 90 e início do século) nas Rádios Capital (Patrocínio) e Clube (Patos). Músico. Professor de Português e Inglês.

FONTES – Acervo particular deste cronista e livros de Júlio César Resende.

Primeira Coluna publicada na Gazeta, edição de 11/7/2020.

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