Santo. Ou quase santo. Pois, ainda é beato. É Padre Eustáquio. Esse venerável religioso da Congregação Sagrados Corações tem muito a ver com Patrocínio e os patrocinenses. Nos anos 80, escrevemos no Jornal de Patrocínio, uma série sobre sua passagem pela cidade, durante algumas edições. Poderia ter até se transformado em pequeno livro. Posteriormente, sempre em agosto, voltamos ao tema. Devido à comemoração da data em que faleceu. Assim, dia 30 de agosto (quinta-feira), completam 75 anos de seu falecimento em BH.
QUEM É – Humberto van Lieshout nasceu em Aarle Rixtel, Holanda, em 3/11/1890. Em 10/8/1919 foi ordenado sacerdote já com o nome de Eustáquio. Em 22/4/1925, Padre Eustáquio, Padre Gil Boorgart e Padre Matias van Rooy, como missionários, embarcaram em Amsterdam rumo ao Brasil. Em 15/7/1925, os três assumiram a paróquia de N. S. da Abadia de Água Suja (Romaria), Nova Ponte e Indianópolis.
DIVINA ERA – Em setembro/1925, o bispo de Uberaba, D. Almeida Lustosa, visitou Patrocínio. Junto à liderança política local, foi decidido pela criação de duas escolas de padrão nacional. Um ano depois (11/9/1926), Padre Eustáquio pisou o solo patrocinense pela primeira vez. Houve na cidade congresso católico e a assinatura da doação de um prédio na Rua Afonso Pena, destinado a instalação do futuro Ginásio Dom Lustosa. Os três padres, vindos de Água Suja, assinaram o documento. Padre Matias (primeiro-diretor) e Padre Gil transferiram residência para Patrocínio, onde pouco tempo depois (15/2/1927) colocaram em funcionamento a escola. Padre Eustáquio retornou à Romaria. Na mesma ocasião, foi criado o Colégio Regina Pacis em Araguari. Segundo o escritor José Vicente Andrade, por essas escolas holandesas “passaram cidadãos, cujas vidas e obras enaltecem o Brasil”. O outro excelente educandário de Patrocínio, Colégio N. S. do Patrocínio, foi instalado em janeiro/1929.
TRAJETÓRIA SANTA – Caridoso e fraternal, Padre Eustáquio tornou-se referência pastoral em Água Suja. Além de sua fé, carregava consigo o Manual de Medicina no Campo. Com ele e suas plantas, superou diversas enfermidades de inúmeras pessoas. Hoje, atrás da Igreja de N. S. da Abadia, há um memorial e a horta que ele cuidava. Vale a pena conferi-los em Romaria, cidade que o acolheu por mais tempo (10 anos). Nesse período, por algumas vezes, esteve em Patrocínio, pois a congregação dos padres era a mesma. De 15/2/1935 a maio de 1941 foi pároco de Poá-SP, levado pelo arcebispo de São Paulo, quando os jornais paulistas destacaram seu carisma e milagres. Depois, procurando não despertar tanto a atenção dos fiéis. Padre Eustáquio passou pelo Rio de Janeiro, Rio Claro-SP, Araguari e Romaria (outra vez). Chegou a Patrocínio no dia 13 de outubro de 1941.
O SEU COTIDIANO RANGELIANO – Como estava vivendo isolado (devido às multidões) nessa Santa Terrinha foi-lhe apresentada maior liberdade. Tanto é que fora designado pároco da (então) capela de Santa Luzia. Lá passou a atender aos fiéis por oito horas diárias. Padre Eustáquio voltou a sorrir, pois além de abençoar os enfermos, viajava às cidades vizinhas, estendendo sua obra de misericórdia. No final da tarde, sempre era visto saindo do Ginásio, passando pela Igreja Matriz, em direção à Santa Casa. Ele residiu no Ginásio Dom Lustosa, que além das salas de aula, tinha os aposentos dos padres e dos alunos internos (de outras cidades), laboratório do Padre Caprázio e diversas quadras esportivas.
CRENÇA – Padre Eustáquio revelou que tivera uma visão de São José Devoto, sempre insistiu na necessidade social da valorização da família, berço das virtudes. Assim, a Oração a São José, foi elaborada por ele em seu quarto no D. Lustosa. Em 12 de fevereiro de 1942, deixou Patrocínio para BH, a convite do arcebispo Dom Cabral. Mas antes, por dois meses, ele cuidaria da paróquia de Ibiá, a pedido do bispo de Uberaba.
NA CAPITAL DE MINAS – No dia 3 de abril de 1942, por trem (Rede Mineira de Viação), chegou em BH, dirigindo-se ao bairro que agora leva o seu nome. Em 7 de abril de 1942, foi empossado pároco dos Sagrados Corações (onde se encontra hoje o ex-vigário em Patrocínio, querido padre Vinícius Maciel). Coincidentemente, naquela data, Patrocínio festejava o seu centenário. Às 10he45min da manhã de 30/8/1943, Padre Eustáquio faleceu, acomedido de tifo exantemático.
2006: ESTÁDIO MINEIRÃO – Após a cura de um câncer, cientificamente reconhecida, e de procedimentos que duraram sessenta anos, Padre Eustáquio foi beatificado em 15 de junho, em Belo Horizonte. Agora é o Beato Eustáquio. A beatificação inscreve um cristão falecido como bem-aventurado, o qual poderá ser venerado onde nasceu, viveu e morreu. E precede a canonização (quando o beato passa a ser santo).
HONRA – Nessa data de 2006, na narração do inesquecível evento, estivemos ao lado de José Maria Campos, Cristiano Romão e Alberto Sanarelli, no Estádio Mineirão. A Difusora foi uma das três emissoras de rádio que transmitiram a beatificação, perante 70.000 pessoas (cerca de 300 patrocinenses). A transmissão durou sete horas sem interrupção (de 14 às 21 horas). Esse fato deveria pertencer perenemente ao “site” da rádio. As outras emissoras foram a Rede Católica de Rádio (RDC) e Rádio América de BH. Padre Eustáquio é parte de nossa vida. Graças... quantas graças!
EXEMPLO DE FÉ – Como homenagem ao dia 30, também recordamos um pouco do livro “Bem-Aventurado Eustáquio (A Estrela Holandesa que Brilhou na Terra de Santa Cruz)”. Editado em 2012, foi pesquisado e escrito pela professora patrocinense Lucélia Borges Pereira, residente à Rua Presidente Vargas. Sem dúvida, é a maior e mais dedicada conhecedora da vida do “Santo que Patrocínio Conhece”, expressão que usamos no JP e Gazeta, nessas quatro décadas.
A FUNDAÇÃO DA ESCOLA – Em 1925, o bispo D. Antônio de Almeida Lustosa (também em processo de beatificação pelo Vaticano), diocese de Uberaba (a qual Patrocínio pertencia), em visita pastoral à cidade, decidiu pela criação de dois educandários. Um masculino e um feminino. E resolveu entregá-los aos Sagrados Corações de Jesus e de Maria. No dia 11 de outubro de 1926, na residência de Honorato Borges (Praça Monsenhor Tiago, 406) foi passada a escritura de compra do prédio na Rua Afonso Pena, nº 600, onde funciona até hoje o colégio. O imóvel custou setenta contos de réis (moeda daquele tempo). Padre Eustáquio van Lieshout assinou o documento pela Congregação. Cinco meses depois (15/2/1927), sob a direção dos padres Matias e Felisberto, é inaugurado o Ginásio Dom Lustosa. Essa escola é a de maior glamour educacional e prestígio na história de Patrocínio (até hoje).
MAIS VEZES... – Retornou, algumas ocasiões, a Patrocínio como em 18/6/1933, 05/11/1933, outubro/1939 e maio/1941; nesse caso ficou hospedado na casa de João Cândido de Aguiar (Praça Monsenhor Thiago, 406) escondido, pois centenas de pessoas de outras cidades e de Patrocínio estavam à sua procura em busca da cura de algum mal.
A PRESENÇA DO MISSIONÁRIO... – Dessa vez, para residir, Padre Eustáquio chega à cidade em 13 de outubro de 1941, uma segunda-feira. Lucélia escreve: “Iria ser capelão na (então) Capela de Santa Luzia e morar no Ginásio Dom Lustosa. Seus aposentos: segundo andar, na segunda janela da esquerda para direita”. Sempre é bom dizer que desde a inauguração (1927) até o começo dos anos 60, a escola era também a moradia dos padres dos Sagrados Corações (a maioria de holandeses). Além de ter o internato, ou seja, parte dos alunos morava também na escola.
DEDICAÇÃO – Prossegue Lucélia: “e no dia seguinte de sua chegada (14/10/1941), às cinco horas da manhã, ele já se dirigiu à Capela de Santa Luzia, a fim de exercer seu apostolado. Padre Eustáquio passava, diariamente, de sete a oito horas (somente) no confessionário. Várias pessoas se converteram...”
TESTEMUNHA – Maria de Carvalho Rodrigues, nascida no Rio de Janeiro em 17/5/1886, escreveu: “Conheci Padre Eustáquio em Patrocínio-MG, para onde viajei em 28/10/1941, com a finalidade de conhecer de perto esse padre de tão famosa santidade. Sua presença infundia respeito e uma atmosfera sobrenatural, que jamais observei noutro sacerdote. Padre Eustáquio tinha o dom dos milagres... no confessionário várias pessoas ficaram estarrecidas de ouvir seus pecados, sem terem dito nada. Previa o futuro (morte do meu marido, por exemplo)...”
MILAGRES – Segundo a professora Toniquinha Borges Rodrigues (mãe de Lucélia), Padre Eustáquio, quando residiu na cidade, foi à sua casa nove dias seguidos para orar pela sua prima paralítica, Jovenília Lemos, de Araxá. Ele dizia “anda filha, anda filha”. Meses depois, ela andou. O emblemático médico Walter Pereira Nunes recebeu uma graça de Padre Eustáquio, quando tinha seis anos de idade. O folclórico Romeuzão (parente do saudoso radialista Roberto Taylor), anos 50/60, parou de beber de tanto “ver” um padre nos bares da cidade o “perseguindo”. Segundo a visão de Romeuzão, o padre estava em todos os bares que entrava. Isso é resultado das preces de sua mãe à Padre Eustáquio.
Primeira Coluna publicada na Gazeta, edição de 25/8/2018.