Março. É um mês histórico para Patrocínio e para o País. Quanto à querida Santa Terrinha é aniversário de seu glorioso CAP. O amado Clube Atlético Patrocinense, em 19 de março, completa 70 anos de existência oficial. Se documentos anteriores fossem encontrados/identificados poderia dizer que o CAP completaria 75 anos. Quanto ao Brasil, completa, em 31 de março, 60 anos da Revolução Militar (para alguns) ou Ditadura Militar (para outros). Daí, é importante empreender uma viagem a Patrocínio de 60 anos atrás. Cenas daquele ano (1964) da cidade mostram como ela era. E uma curiosa viagem da linha Araguari-Patrocínio-BH, do Expresso União, que levou dois dias, e, mesmo assim não terminou na Rodoviária da Capital Mineira. Isso exatamente em 31 de março de 1964.
*** VIAGEM MOVIMENTADA, TEMPO QUENTE - A então resguardada Sexta-feira da Paixão ocorreu dia 27/03/1964. Muitos patrocinenses residentes (ou estudantes), em BH, aproveitaram para visitar à sua terra natal e familiares. Havia somente um horário diário de ônibus (saindo de PTC às 8h30 da manhã). Os luxuosos ônibus Ciferal, na época, eram dirigidos pelo folclórico motorista ‘‘Pó de Mico’’ e pelo sistemático ‘‘Costela’’, na maioria das viagens. Ambos excelentes motoristas. Dia 30 (segunda-feira), o ônibus partiu de Patrocínio lotado e até com diversos passageiros em pé para BH (acredite!). Dia 31 (terça-feira), a mesma coisa. Porém, o imponderável iria acontecer nessa viagem, sob o comando de ‘‘Costela’’.
*** NO COMEÇO, A NORMALIDADE INESQUECÍVEL... Rodovias de chão (sem asfalto). A pacata Serra do Salitre, depois a pequenina Rio Paranaíba (que até um prefeito entregou a cidade para Deus, por decreto, por falta de dinheiro) e almoço na confusa São Gotardo (pouca higiênica e muita gente na Rodoviária). Após o almoço, a travessia da Serra da Saudade em sinuosa estrada de terra e perigosa. Não existia a BR-262. Primeiro café em Melo Viana (hoje, a menor cidade de MG, agora com o nome de Serra da Saudade). O segundo café em Araújos (a melhor quitanda/biscoito de Minas), onde uns pagavam e outros não. Isso por volta de 17h. Depois, veio a capital dos doces em caixotinhos, São Gonçalo do Pará. Pelas 19 horas, a chegada em Pará de Minas. Aqui ‘‘a cobra começou a fumar’’.
*** GOLPE ESTAVA SENDO LANÇADO EM BH - Sob o comando do governador Magalhães Pinto e militares de Juiz de Fora, intensa movimentação anti-Jango acontecia. Naquele dia 31 (terça-feira) e dia 1º/04/64, o exército estava incorporando/requisitando ônibus para transporte das tropas para Brasília, Rio e SP. BH estava ‘‘verdinha’’ de soldados armados nas ruas. Essa notícia chegou para ‘‘Costela’’, que decidiu, ouvindo precária ligação telefônica, a permanecer com o ônibus em Pará de Minas. Dentro do ‘‘Ciferal’’, os mais de 40 passageiros dormiram assentados.
*** DIA SEGUINTE... - Ao amanhecer, nova decisão. O ônibus do Expresso União iria até o início da Cidade Industrial de Contagem (na região onde é hoje a Refinaria da Petrobrás). E lá deixaria os passageiros, pois com a ameaça de requisição pelos militares, o ônibus retornaria a Patrocínio. E assim aconteceu. Os passageiros embarcaram nas então famosas ‘‘lotações’’ (ônibus urbanos). Naquele momento, em quantidade reduzida também. Todavia, os passageiros-heróis, sob o olhar dos soldados-oliva, chegaram, com dificuldade, até à região central da capital.
*** ASSIM... - Iniciava no Brasil o governo de militares vencendo a Rede da Legalidade, liderada pela Rádio Nacional-Rio e Brasília, Rádio Mayrink Veiga e Rádio Farroupilha/RS. Na rede da vitória estavam a (então) poderosa Inconfidência e emissoras de São Paulo. E finalizava a saga dos patrocinenses na viagem de ônibus de dois dias (PTC-BH).
*** SE NÃO FOSSE O RÁDIO, PATROCÍNIO IGNORARIA - Nesse ano (1964), a Nacional (novelas e Reporter Esso), Mayrink Veiga (shows e ‘‘Hoje é Dia de Rock’’), Bandeirantes (futebol), Tupi-SP (músicas) e Panamericana (Jovem Pan - notícias) informavam os acontecimentos da mudança de governo.
*** PORÉM, ‘‘BANHO DE LUA’’ CONTINUAVA SABOREADO... - O guaraná Banho de Lua, do Geraldo Magela, era o preferido da cidade. Água mineral só se bebia Serra Negra. Para limpeza nas residências havia produtos patrocinenses ESPUMOL (ceras, saponáceos, sabonetes e, principalmente, sabão Espumol). O Frigorífico Patrocínio, da família Elias, localizado na Av. José Maria Alkimim, 786, oferecia a melhor carne da região. Também havia Café da Vovó, Café Constante, Balas Tamandaré e... tanta coisa gostosa.
*** E A DIFUSORA? - Programas de auditório (a emissora tinha auditório, no Edifício Rosário) sob o comando de Petrônio Ávila, Auxiliadora Guarda e de outros, encantavam a juventude. Humberto Cortes já ‘‘acertava o seu pelo meu’’ (relógio) no programa Manhã Sertaneja, patrocinado pelas Casas Manuel Nunes. José Maria Campos ‘‘engatinhava’’ diante do microfone, apresentando ‘‘Parabéns Pra Você’’ (oferta de música por cinco cruzeiros). Oliveira Júnior orava às 18h, mas às 17h, apresentava o programa ‘‘Uma Voz na Tarde’’. (‘‘Moendo Café’’, com Poly, era o prefixo).
*** CINEMA - O Cine Teatro Patrocínio, depois de reformado (pouco tempo antes, foi invadido por uma multidão contra o aumento do ingresso), continuava a coqueluche da cidade, juntamente com a Churrascaria Alvorada. O Cine Rosário, na Praça Honorato Borges, era a alternativa na exibição dos filmes do Cine Patrocínio.
*** PARAÍSO PTC - Enquanto o Brasil vivia tenso e em guerra ideológica, com ameaças, prisões, assaltos, guerrilhas e torturas, a cidade vivia em paz. Mário Alves do Nascimento, prefeito, e Dr. Amir Amaral (vice-prefeito), comandavam, com trabalho, sem remuneração e probidade inquestionável, o Município. Pouco policiamento, ausência de crimes, portas e janelas abertas a qualquer hora, vida pacífica. E sempre com a fé em Deus.
[email protected] *** Crônica também publicada na Gazeta de Patrocínio, edição de 16/03/2024.