Tive um sonho insólito numa madrugada destas. Mesmo não sendo lá muito bom para relembrar sonhos, esse vou me esforçar para reproduzi-lo da melhor forma.
O cenário era real: Praça da Matriz. Um dos cartões postais de Patrocínio. A praça mais histórica e cultural da nossa cidade. Adornada pelo sobrado de mais de 150 anos, nosso patrimônio histórico, onde funcionou a Câmara Municipal, Prefeitura, Casa da Cultura e hoje abriga o Museu Prof. Hugo Machado. Praça onde se localiza o Colégio Berlaar Nossa Senhora do Patrocínio, fundado em outubro de 1929. E a primeira Igreja de Patrocínio fundada em 1804. Igreja Matriz Nossa Senhora do Patrocínio.
O inusitado é que todas as pessoas que protagonizaram este meu sonho, já cumpriram com louvor suas missões de vida e estão na Pátria Superior. Se no conceito de Freud, os sonhos são realizações de desejos, meu desejo era que toda essa gente ainda estivesse aqui entre nós.
O sonho era mais ou menos assim: Atendia um pedido de minha vó, que pra mim era sempre uma ordem. Disse-me ela: “ Leva a lista de compra no Armazém Santa Terezinha, acerta a compra do mês passado e peça para anotar essa outra na caderneta. “ O itens da lista eram praticamente os mesmos de sempre. Ela só queria um maço de fósforo a mais. Deixo casa de nº 134 da Rua Artur Botêlho e subo do fundão ao centro. Tenho que passar pela Praça Matriz, até chegar no cantinho da Praça Honorato Borges, onde então ficava o tradicional Armazém Santa Terezinha.
Era uma manhã ensolarada. Apenas três quarteirões, nem sinto a caminhada. Quando chego na Praça da Matriz, noto uma movimentação. Como assim, algum evento, que não sabia? Grupo de duas, tres, quatro pessoas conversam entre si. Como tenho que passar no coração da praça, fico curioso para saber o que se passava.
Conheço logo, Sr. Sebastião Eloi dos Santos e Sr. Pedro Alves do Nascimento. Um ícone da imprensa local. Um do jornal; o outro do rádio. Passei perto de ambos e pude ouvir que falavam do progresso de Patrocínio. “Precisamos urgente de um aeroporto” - Dizia Sr Pedro Alves- “somos a Capital do Café. Não fica bem recebermos empresários deste e de outros setores sem o mínimo de infraestrutura” . “Concordo com você, Pedro, mas a imprensa tem de cobrar mais do prefeito Afrânio Amaral. Anda viajando demais. Essa gente chega ao poder e esquece o povo” Quero muito continuar ouvindo esses dois totem rangeliano, mas preciso prosseguir.
No próximo banco da praça, três pessoas conversam, numa linguagem culta. É Dr Gerson de Oliveira, Sr Diolando Rabelo e Sr. José Afonso Amorim. A prosa transita pela história, filosofia, antropologia, literatura e política. Fico parado sorvendo cada palavra. Apontando para as Palmeiras Imperiais, Dr Gerson, fala do valor de um gesto. Lembrando que essas Palmeiras foram trazidas do Rio de Janeiro, por intermédio do Cel. Theodoro Gonçalves. “Hoje elas adornam todas as praças da cidade”. A prosa culta corria. “Voce está muito sécio, hoje”. Disse Sr. Diolando no meio de uma fala. Penso: o que quer dizer, sécio? Anoto a palavra para procurar no meu Alfarrábio. Noto alguém de terno se aproximando da roda. É Dr Hélio Furtado de Oliveira. Eu ali. Nos pés da sabedoria. Fico sabendo que sr José Afonso Amorim. Foi um dos fundadores e primeiro proprietário da Rádio Difusora de Patrocínio. Com o fechamento da TV Itacolomi, não mediu esforços, mobilizando um grupo de amigos para trazer a uma torre de transmissão da TV Integração (Rede Globo) para Patrocínio. Dr Hélio Furtado de Oliveira, fez uma brincadeira, pede desculpas, pois está indo para o Colégio Nely Amaral, onde é diretor. Também, preciso me aluir. Ia anotar o termo “escalafobético”. Mas, lembro o significado.
Caminho alguns passos e me vejo entre quatro pessoas que conversam polidamente. É Dr Michel Wadhy, todo de branco, Dr Renato Cardoso, Prof Hugo Machado da Silveira e Dr Edgard de Andrade Rocha. Dr Michel me dá um abraço efusivo. Dr Renato, diz que tem me acompanhado nas páginas do Jornal de Patrocínio e vai indicar meu nome para concorrer a uma cadeira na Academia Patrocinense de Letras. Pego de surpresa a voz desaparece. Não sei o que dizer e fico mais emocionado ainda quando aperto pela primeira vez a mão do Dr Edgard. (Ex Juiz de Direito. Cronista singular. Uma das expressões de maior cultura, conceito e credibilidade de todos os tempos em nossa Patrocínio) Me despeço e ainda, posso ouvir, o Profº Hugo, me convidando para uma reunião na Casa da Cultura na próxima Segunda -Feira.
Já estou no coração da praça, onde na década de 30 existia um corêto. Olha quem vejo. Veio do Didino, Humberto Cortes, Joaquim Assis Filho e Carmo Pintor. Assunto? Futebol Rangeliano. Eles realmente conheciam a saga do futebol Amador. Dava gosto ouvi-los discorrerem sobre o Ipiranga, Flamengo do Véio e CAP. Sr. Inácio Verdureiro e Humberto Cortes, arrancavam gargalhadas, com seus causos pitorescos.
O sino da Matriz badala nove batidas. Preciso cruzar a praça. Ando alguns passos e me deparo com uma roda bem animada. O papo ali é musical. Paulinho Machado,, Sr Sesostres Pedro da Silva, Maestro João da Banda, Lázaro Camilo e Lincoln Machado. Quando cheguei, Sr Sesostres, perguntava ao Lincoln, se ele tinha um LP de Ernesto Nazareth, com a música “Gotas de Ouro”. Disse que sua filha, Nely Caixeta, iria lhe ajudar na gravação de um disco.(CD) Lincoln, claro, tinha a relíquia musical na sua discoteca. Era só, passar na casa verde da Praça do Tiro de Guerra e apanhá-lo. Todos, queriam ouvir Paulinho Machado, cantando e contando a história do Bolero Sebastiana. Cuja musa, era uma encantadora empregada doméstica , que veio da localidade de Santa Rosa (Coromandel-MG) e pelo visto, bagunçou corações por aqui..
Lázaro Camilo, comenta de uma homenagem que recebeu do Conselho Regional da Ordem dos Músicos de Brasília, onde lecionou música por 19 anos no Colégio Marista Champagnat na Capital Federal. Negrinho do Zé Camilo, como é conhecido, recebe os parabéns de ninguém menos do que o Maestro João de Souza, o "João da Banda", comanda e faz bonito com a “Fanfarra do Colégio Dom Lustosa” e “Banda Abel Ferreira”...
Meu senso de responsabilidade falou mais alto. Tinha uma missão a cumprir.
Enquanto me afastava da praça, ainda ouvia ao longe o violão de Paulinho Machado e o Saxofone de Plínio Moreira, que havia chegado por ali... “Ya no estas a mi lado corazón.” Dava para reconhecer o velho bolero...
O sonho na realidade não existiu. As pessoas sonhadas, sim. Esta é a magia de tudo. Cada uma delas, no seu tempo, ao seu modo, com a sua característica, deixaram o seu melhor entre nós. Estão no eterno livro de história da minha cidade. E na terna memória do meu coração. (Publicado em 15/04/19, Coluna "O Meio e Mais" - Gazeta de Patrocínio)