Os cumprimentos foram provisoriamente abolidos no Rio Grande do Sul. Não dá para dizer “bom dia” ou perguntar se está tudo bem. A resposta será sempre constrangedora.
Eu percebi que o local onde morei em Caxias do Sul está inundado, o local onde morei em São Leopoldo está inundado, o local onde moravam os meus avós em Guaporé está inundado, os locais onde moram meus parentes em Muçum, Estrela, Eldorado e Encantado estão inundados.
Os lugares por onde passei, amei, cresci na vida acabaram tomados violentamente pelas águas. Não há um único berço do meu passado livre da maior enchente da história do Rio Grande do Sul.
O terror se espalhou pelo mapa: os bairros Scharlau em São Leopoldo, Mathias Velho em Canoas, Campestre em Santa Maria são idênticos em lama e nas casas totalmente submersas, com moradores nos telhados aguardando resgate.
Não nos pergunte quantos mortos: não sabemos. Não nos pergunte quantos desaparecidos: não sabemos. Simplesmente porque a chuva nunca parou para descobrirmos o tamanho da tragédia.
Circula um áudio de um socorrista em Canoas, endereçado a uma amiga, Gabriela. Nele, conta que carregava três crianças num bote e uma delas pediu para ele pegar uma bonequinha boiando nas águas, ele levantou e era um bebê morto. Ele encerra com um desabafo: “não tenho mais coração para isso hoje”.
Não posso comprovar a veracidade do depoimento, mas não há como achar que é mentira diante de tudo o que estamos testemunhando de estarrecedor.
São intermináveis pedidos de socorro, a dor e o desamparo se mostram generalizados de ponta a ponta do estado. Dos 497 municípios, 334 foram afetados.
Ninguém ficou de fora da calamidade, seja de perto ou de longe, seja no campo ou no centro urbano. Grande parte dos gaúchos ou não tem mais teto, ou não tem mais água, ou não tem mais luz.
A previsão é que pare de chover, mas vamos continuar morrendo todos os dias da semana.
Só a esperança é tão louca, tão doida varrida, tão alienada que não larga o nosso peito de jeito nenhum. Só a esperança não foi desalojada. Ela se protegeu dentro da solidariedade.”