Fonte:Instituto Butantan
De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), desde a década de 1990 as temperaturas registradas a cada ano no Brasil têm ficado acima da média histórica. Essa crescente climática favorece a adaptação do mosquito transmissor do vírus da dengue, o Aedes aegypti. No sul do país, por exemplo, incidência de chuvas acima da média e o aumento nas temperaturas médias garantiram que a região alcançasse o segundo lugar nas taxas de incidência de dengue em 2022, conforme o Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde — até meados de 2015, a presença de dengue na região era variável e pouco expressiva, como aponta estudo da Universidade Federal do Paraná.
A análise do INMET mostra que os anos de 2015, 2016 e 2019 foram os mais quentes desde 1961, com desvios de temperatura acima de 0,7ºC. E não se trata de um quadro isolado: a 6ª edição do Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) diz que a temperatura da superfície global deve aumentar ainda mais nas próximas décadas. Com uma elevação anual de 1°C a 4°C, além de variação de chuva e de disponibilidade de umidade no solo, o clima deve se tornar ainda mais propício à multiplicação do mosquito vetor da dengue pelo território brasileiro.
Fenômenos como o El Niño favorecem esse cenário ao afetar as regiões mais frias do país. No ranking do Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde de 2022, as regiões Centro-Oeste e Sul estavam em uma posição superior às regiões Norte e Nordeste, que normalmente se destacam devido às elevadas temperaturas. O Centro-Oeste apresentou a maior taxa de incidência de dengue, com 2.086,9 casos a cada 100 mil habitantes, seguida do Sul (1.050,5 casos/100 mil hab.), Sudeste (536,6 casos/100 mil hab.), Nordeste (431,5 casos/100 mil hab.) e Norte (277,2 casos/100 mil hab.).
Homem borrifa inseticida em canteiro de obras para eliminar mosquito Aedes Aegypti, transmissor de doenças como dengue, zika, febre amarela e chikungunya
Esse panorama vem se repetindo em 2023: segundo o painel de monitoramento de arboviroses do Ministério da Saúde, entre os três estados com maior incidência de casos de dengue estava Santa Catarina, que concentra algumas das regiões mais frias do país. Completavam a lista Mato Grosso do Sul e Minas Gerais.
De acordo com o gestor médico de Desenvolvimento Clínico do Instituto Butantan Érique Miranda, o aumento de casos em regiões pouco propícias para o desenvolvimento do Aedes aegypti indica que a dengue se tornou endêmica no país todo. “A primeira coisa que tem que ser feita é controlar o vetor. Se tem tanta dengue no Brasil, e se o vetor está chegando no Rio Grande do Sul, é porque perdemos a guerra contra ele.”
Para ele, fenômenos climáticos e controle deficitário dos transmissores ajudam a explicar a expansão e adaptação do mosquito que transmite a doença e outras arboviroses.
Pilha de pneus usados ??descartados irregularmente em área de fundo de vale na periferia de Apucarana, Paraná - possível criadouro do mosquito Aedes aegypti
Aumento de casos em São Paulo
Ainda de acordo com o INMET, em 2023 o estado de São Paulo teve o inverno mais quente desde 1961, com altas temperaturas e a presença de intensas massas de ar quente e seco — condições ideais para a reprodução do mosquito-da-dengue.
Embora as ocorrências de dengue tenham diminuído entre 2019 e 2020 (de 16.966 casos para 2.026), a quantidade de registros em São Paulo aumentou em 2021 (7.447 casos), em 2022 (11.920 casos) e novamente em 2023 (12.439 casos). Na capital, o maior número de casos neste ano foi entre março, com 9.928 casos, abril, com 11.358 casos, e maio, com 11.168 casos. Esse período é, tradicionalmente, o de maior incidência da doença no estado.
“Existem ‘n’ motivos que explicam a baixa de casos de dengue na pandemia. Um deles pode ter sido a subnotificação”, explica Érique. Para ele, o sistema de saúde estava tão focado no SARS-CoV-2, que a notificação e o diagnóstico dos casos de dengue passaram para o segundo plano. Outras razões também podem ter contribuído, como condições climáticas desfavoráveis para a reprodução do mosquito-da-dengue, diminuição de infestações prediais e pouca circulação do vírus.
Com o aumento no número de casos, o percentual de mortes por dengue na cidade de São Paulo em 2023 já é o maior dos últimos oito anos, com 10 casos confirmados segundo a Coordenadoria de Vigilância em Saúde da Secretaria Municipal da Saúde (COVISA/SMS-SP). A taxa de letalidade, quando comparada com os números de 2015, foi de 0,02% para 0,08%. É o maior registro de óbitos desde 2015, quando foram contabilizadas 25 ocorrências. As mortes pela doença no Brasil correspondem hoje a cerca de um óbito a cada 1.000 casos de dengue, ou, no caso da cidade de São Paulo, 10 óbitos para 12.000 casos.
Reportagem: Guilherme Castro
Fotos: Shutterstock
Os comentários são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do Patrocínio Online. É vedada a inserção de comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros. O Patrocínio Online poderá remover, sem prévia notificação, comentários postados que não respeitem os critérios impostos ou que estejam fora do tema da matéria comentada. É livre a manifestação do pensamento, mas deve ter responsabilidade!