Se voce passasse pela Praça da Matriz em uma noite qualquer de sábado nos anos 80, possivelmente, nem notaria, mas uma cena frequentemente se repetia: Um senhor todo vestido de branco e um jovem , quiçá, vinte e poucos anos , ficavam lado a lado por horas a fio. No alpendre da casa em marcante estilo neoclássico, da Rua Presidente Vargas, esquina com Otávio Brito, ambos conversavam, ou ficavam em eloqüente silencio, acompanhando o transitar frenéticos das pessoas.
Esse “Homem de Branco”, era o médico, poeta, humanista, vereador, desportista, homem devotado aos menos favorecidos, e, sobretudo, amigo sem igual da juventude: MICHEL WADHY. E aquele que não perdia uma oportunidade de ficar aos seus pés, sorvendo de sua sabedoria, era: Milton Magalhães.
Muito além de ser um zeloso guardião da saúde dos mais humildes, Dr Michel, era poeta de rara sensibilidade, pessoa de coração acessível aos jovens de meu tempo. Quantas vezes, saindo de casa, mudei meus planos, atrasei compromissos, pois, indo para o Cine Patrocínio, ou para o Biblioteca Pública, (que naquela época, funcionava no turno da noite e ficava, próximo á sua residência ) ou indo para a praça, brincadeira dançante ou algum barzinho, deparava-me com o “Homem de Branco” em seu ócio merecido no alpendre. Não dava outra, me dirigia a ele e na maior cara de pau, assentava -me ao seu lado. Daí a pouco chegava, homeopaticamente , Carlos Drummond de Andrade, Gonçalves Dias, Castro Alves, Guimarães Rosa ... E de vez em quando, a esposa, Dona Hespéria, dava o ar de sua simpatia, ou um dos oito filhos da casal, com aquela assinatura libanesa, tipo Wadhy, Ribehy, Latif, sorria, saia ou entrava na mansão. Eu ficava de boa. Era ele quem espichava a conversa. As perguntas eram minhas.
Já dei com o”Homem de veste branca” em barzinho, degustando, (o que seria?) talvez um bom conhaque, pois ninguém é de ferro. Não poucas vezes, tive a audácia de procurá-lo - imagine!- em seu consultório, e não se tratava de problemas de saúde. Era apenas um neófito, empolgado com algum poema tosco, alguma letra de música, rascunhada em folha de caderno da escola. E ele fazia conta. Corrigia, elogiava, sugeria, incentivava, tanto que deixava o recinto, pensando mesmo que levava jeito para cultivar a “ inculta e bela Flor do Lácio” . E foi assim que continuei escrevendo, escrevendo, escrevendo...
Preciso dizer, no entanto, que a amizade benfazeja do “homem de Branco” não era exclusividade minha. Quantos e quantos jovens, receberam lufadas de incentivos para cultivar valores, viverem longe de vícios e, sobretudo, próximos da literatura. Alguns chegavam a publicar livros, nem que fosse apenas uma obra. E este foi o caso de José Humberto Santos - Xexeu. Logo que fundou a Academia Patrocinense de Letras, em 07 de Abril de 1982, Dr Michel, buscava entre os jovens, quem aceitaria o desafio de expressar seu talento através das letras. O jovem Xexeu, foi um dos que se apresentaram. Sob os auspícios de Dr Michel, produziu em profusão, chegando a publicar um livro com mais de 100 poemas inéditos. Na apresentação deste seu livro, Dr Michel, expressou seu entusiasmo. Ipsis Litters: “Sinto-me orgulho por fazer a apresentação de seu livro...Hoje como membro da APL e seu primeiro presidente sinto em mim o latejar de vitória, porque atrás de José Humberto, outros jovens que vão se embriagar nos livros de autores famosos como Bilac, Eça de Queiroz, Euclides da Cunha, Júlio Dantas, Rui Barbosa, Machado de Assis, etc, etc..Todos gostarão de seu livro. Eu gostei”
Este era Dr Michel..humano, acessível...solidáro...Aqui sendo lembrado, em virtude do CENTENÁRIO DE SEU NASCIMENTO, celebrado neste 12 de Fevereiro de 2015. Um marco memorável, digno de todas celebrações. Dr Michel foi um homem com presença marcante na vida social, cultural, educativa, esportiva, filosófica e política de Patrocínio.
Dr. Michel Wadhy, nasceu no dia 12 de Fevereiro 1915, na vizinha cidade de Irai de Minas. Filho dos libanezes Wadhy Miguel Felippe e de Sofia Farah. Formou-se em medicina, na UFMG, tornou-se uma referência médica na cidade e região, dando atenção especial aos menos favorecidos. Era casado com Hespéria Botelho Wadhy, tiveram os filhos: Wadhy Ribehy Netto, Martha Margarida Wadhy, Michel Wadhy Rebehy, Chafie Rebehy Sobrinho, Betânia Wadhy, Fátima Wadhy, Luthana Wadhy , Latif Wadhy Rebehy. Foi vereador de Patrocínio, de 1951 a 1958. No dia 07 de abril de 1982, (Dia do aniversário da cidade de Patrocínio) realizou seu grande sonho: fundou a Academia Patrocinense de Letras e foi seu primeiro presidente. Em 30 de Abril 1985, o autor do livro “Coisas da Vida” foi promovido a um novo estágio existencial...
Patrocínio ocupava a primazia em seu coração. "Ainda mora nesta terra, o poeta". Cismava se eternizar... e se eternizou de um modo singular:
TEU POETA – PATROCÍNIO
O peito, por cantar-te, não me cansa...
E não me foge a musa, oh! Terra amada.
Cada pranto, um rosário de esperança
- Um dia serei trôpego, velhinho,
Pisando tuas praças de alegria!
Não me deixes cair pelo caminho,
Que ainda assim, te canto, dia a dia!
- Quando o meu pó se misturar ao teu...
Quando eu morrer, oh! Terra tão dileta,
Minh’alma DEUS fará descer do Céu,
Pra gravar no jazigo curvilíneo:
Ainda mora nesta terra, o poeta,
Para cantar-te, amada PATROCÍNIO”
(Com agradecimentos a cerimonialista Brigida Borges Pereira, por ter nos lembrado desta importante efeméride)