15 de Fevereiro de 2017 às 13:57

Com medo de perseguição, refugiados hesitam em procurar atendimento médico no Brasil

Estrangeiros têm direito ao SUS, mas esbarram em filas, falta de remédios e barreira da língua

O medo da perseguição é um dos fatores que inibem refugiados de diversas nacionalidades a procurar atendimento médico no Brasil e no mundo. É o que afirma Anis Mitri, cardiologista e CEO do CECAM Consultas, Exames e Diagnósticos, rede de clínicas da cidade de São Paulo.

— Outros países, ao fazer política de saúde para refugiados, tomam medidas basicamente para evitar a proliferação doenças infectocontagiosas. Então os refugiados se sentem discriminados por conta disso, sem confiança para procurar um médico. Aqui, muitos têm medo de ter seus dados compartilhados com a Polícia Federal ou com o Conare (Comitê Nacional para os Refugiados)

O especialista afirma que, no Brasil, os médicos não têm permissão para requerer exames de doenças infectocontagiosas — testes de HIV, tuberculose, gonorreia, etc — em relação a quem acabou de chegar, mas muitos dos refugiados não sabem disso e acabam intimidados na hora de buscar um profissional de saúde. 

No início do mês de fevereiro, o R7 acompanhou um mutirão promovido pelo CECAM com diversos serviços de saúde especialmente para os refugiados e solicitantes de refúgio residentes em São Paulo. Além de médicos, enfermeiros e outros profissinais da área, estiveram presentes intérpretes de diversas línguas, para que as consultas e diagnósticos pudessem ser feitos da forma mais clara possível. A maioria dos pacientes atendidos é assistida também pelo Adus, Instituto de Reintegração do Refugiado. O objetivo, segundo Mitri, foi prestar atendimento em relação a enfermidades como diabetes, hipertensão ou risco de infarto — que, às vezes, os recém-chegados no Brasil têm dificuldades para conseguir na rede pública de saúde.

— Eles são obrigados a se retirar de algum lugar e largam família, moradia, todos os bens, emprego e formação. Quando chegam no Brasil, frequentemente, não têm documentos ou como provar o próprio nome. Então, muitos enfrentam obstáculos para serem atendidos pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Não é que o atendimento seja negado, mas a falta de comprovante de residência, por exemplo, pode gerar dificuldades para agendar uma consulta.

O CEO do CECAM ainda ressalta que, no mutirão, foi realizado um levantamento de doenças clínicas para a elaboração de um projeto de tratamento ao longo do ano. “O objetivo é oferecer todas as consultas que eles precisarem de graça. É a porta de entrada para um sistema de saúde, que não tem nada a ver com buscar doenças infectocontagiosas”, diz o profissional.

No total, a força-tarefa atendeu 116 pessoas de 17 países. 22% apresentaram doenças crônicas e voltarão à rede de clínicas para tratamento. Das 40 que passaram pelo dentista, 38 já marcaram retorno. Uma delas é o nigeriano Nicholas Obetta, que tem 48 anos. Não acostumado a ingerir alimentos com açúcar em sua terra natal, Obetta desenvolveu cáries depois de mudar para o Brasil, há aproximadamente dois anos: “Vim por conta dos conflitos religiosos no meu país. Lá, os cristãos têm sido perseguidos pelos extremistas islâmicos”, conta. 

Questões psicológicas

É inevitável que a saída forçada de zonas de guerra também traga complicações para a saúde mental dos imigrantes. Bárbara de Pádua, coordenadora de Saúde Mental do Adus, esteve presente no mutirão para conversar sobre atendimento psicológico aos recém-chegados no Brasil. À reportagem, a profissional contou que o Adus oferece, de forma gratuita, sessões individuais e oficinas com participantes de diversas nacionalidades. Embora problemas como depressão e estresse sejam recorrentes, a especialista afirma que os atendimentos não acontecem simples e unicamente com o objetivo de detectar transtornos mentais.

— A gente sempre tenta lembrar que o fato de o refugiado ter se retirado de algum país não significa que ele vá desenvolver algum transtorno mental ou psicológico. Na verdade, são poucos os que desenvolvem. O que oferecemos é um espaço onde a pessoa possa ser escutada, onde o sofrimento dela, o estresse, vai ser ouvido, sem necessidade de um diagnóstico imediato.

Desafios na rede pública

De acordo com o Conare, órgão ligado ao Ministério da Justiça, o Brasil abriga hoje quase 9 mil refugiados de 79 nacionalidades. Na teoria, todos têm direito de ser atendidos e inclusive receber todas as vacinas pelo SUS, segundo Luiz Fernando Godinho, porta-voz brasileiro do ACNUR, Escritório do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados. 

— O acesso ao SUS é garantido pela lei brasileira de refúgio. Então hoje, o estrangeiro reconhecido como refugiado ou mesmo solicitante de refúgio tem direito a atendimento médico na rede pública de saúde. Isso é uma grande conquista e que coloca a lei brasileira em posição bastante avançada em termos de refúgio.

O que acontece, de acordo com Godinho, é que, na rede pública, os refugiados esbarram em obstáculos enfrentados também pelos brasileiros: "Se tem fila, o refugiado tem que enfrentar fila. Se não há medicamentos, ele fica sem medicamentos. São dificuldades que enfrentam todas as pessoas que buscam o SUS, não somente os refugiados", diz. O porta-voz do ACNUR ainda afirma que é possível que os refugiados sejam prejudicados por problemas restritos a determinados postos de saúde. 

—É óbvio que há problemas específicos. Muitas vezes há um problema de comunicação e não existe um entendimento por parte do agente público de que um estrangeiro ou refugiado tenha acesso ao serviço que o SUS está oferecendo para a população. São questões pontuais que nós procuramos contornar à medida em que elas aparecem.

Maria Cristina Morelli, coordenadora do Centro de Referência para Refugiados da Caritas Arquidiocesana de São Paulo, reforça o coro: “Os refugiados têm direitos, mas não privilégios”, afirma. Por outro lado, Maria Cristina explica que a língua ainda é uma barreira a ser transposta, já que nem todos os profissionais dos serviços públicos — e isso não diz respeito somente ao setor da saúde — se comunicam em inglês, francês ou árabe, por exemplo.

— É um dos maiores problemas que os refugiados têm. Não é em todo lugar que consegue atendê-los com clareza, de forma que eles compreendam o que as pessoas dizem e elas entendam as necessidades deles.  Há dificuldades desde a portaria do serviço até o próprio atendimento com o médico, porque não é sempre que você encontra um profissional que saiba falar inglês.

Fonte: R7


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