Fonte: Butantan foto: Arquivo POL
Os gambás e as serpentes são considerados inimigos há muito tempo. Os dois estão na terra desde o período cretáceo, há mais de 100 milhões de anos. Tanto a serpente quanto o gambá são animais noturnos, saem à noite para procurar alimento e, por isso, acabaram se encontrando.
Com o tempo, precisaram desenvolver meios de neutralizar a peçonha, aproveitando o potencial alimentar que as cobras representam. Desta forma, ao longo da sua história evolutiva, os gambás desenvolveram meios de enfrentar o adversário peçonhento, ficando cada vez mais imune às picadas. Em contrapartida, as cobras desenvolveram um veneno cada vez mais potente para tentar neutralizar o gambá. É o que os cientistas chamam de corrida armamentista evolutiva.
Na década de 1990, pesquisadores do Butantan decidiram comprovar esse processo evolutivo por meio de um teste comportamental realizado no Laboratório de Biologia Estrutural. Participaram do estudo o doutor em biologia e história da ciência Carlos Jared, a doutora em ciências Selma Maria Almeida Santos, a doutora em biologia genética Marta Maria Antoniazzi e o doutor em microbiologia e imunologia Osvaldo Sant´Anna.
Eles recolheram gambás da Mata Atlântica (Didelphis aurita) e os colocaram em ambientes controlados. No começo, os animais ficavam retraídos, escondidos em caixas. Mas aos poucos foram explorando o ambiente e passavam a se sentir em casa. Quando isso aconteceu, os pesquisadores soltaram jararacas (Bothrops jararaca), também da Mata Atlântica, no mesmo hábitat. Os gambás não pensavam duas vezes e partiam para cima das serpentes.
Por serem animais noturnos, os gambás têm um olfato bem apurado e localizam as cobras pela cauda devido aos seus feromônios. Foi justamente por essa parte que os gambás iniciavam as mordidas. Enquanto faziam isso, as cobras devolviam as dentadas. Uma, duas, três vezes. Os gambás nem sentiam e seguiam devorando as serpentes.
Para mostrar que esta proteção é natural do gambá, os especialistas fizeram o mesmo teste em filhotes de gambás e de cobras. O resultado foi o mesmo, provando que esse comportamento já está incorporado geneticamente: os filhotes já nascem imunes. Todas as pesquisas foram realizadas com animais simpátricos (que ocupam a mesma área geográfica sem perder a identidade, como o leão e o guepardo, que vivem juntos na savana mesmo não sendo da mesma espécie).
O próximo passo foi analisar a imunidade da dupla de inimigos históricos com bichos de regiões diferentes. No caso, com gambás da Mata Atlântica e cascavéis (Crotalus durissus), encontradas no Cerrado e na Caatinga, ou seja, animais não simpátricos. Neste experimento, os gambás conseguiam comer até cinco cascavéis, sendo picados por elas, e sem apresentar problemas, mas a partir da sexta serpente, começaram a sentir o veneno e cambaleavam.
A conclusão dos cientistas foi que os gambás não são imunes quando se trata de serpentes de outro ambiente, mas ainda assim são capazes de apresentarem bastante resistência. A intenção dos cientistas do Butantan é um dia analisar o encontro de gambás do Cerrado com as jararacas, pertencente à Mata Atlântica.