Logo que fui alfabetizado, ainda em minha Barra do Salitre, onde a montanha encontra o céu, saí compulsivamente escrevendo o meu nome a carvão nas paredes e portais da casa. Fiquei fissurado e não demorei para tomar posse dos livros de meu Vô Benedito. Fui soletrando, lendo e relendo os clássicos da doutrina espírita, fábulas de Esopo, aritmética e gramática. Por favor, virgula aqui, não vou passar uma imagem de que meu avô era alguma espécie de ‘intelectual.’ Ele usava botina, morava na roça e tinha o mínino de escolaridade. Sei lá, acho que, segundo, terceiro, “de grupo”. Quando adoeceu para a morte, já morávamos na cidade, mas precisamente no “Fundão da Matriz”, era alma simples mesmo (inclusive, capinava um quintal naquela tarde fatídica, quando a carruagem com destino a terra azul, passou) A imagem nítida que tenho dele, é que sempre ao final da tarde, colocava seus óculos de aro preto e grossas lentes e mergulhava em alguma leitura. Entre uma brincadeira e outra, olhava de longe, achando aquela cena o máximo. Meu vovô, lendo! Batia-me um orgulho gostoso! Essa passagem , o tempo jamais varrerá de minha retina. Lembrando, aqui, Mário Quintana:" Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não lêem". Quem lê, logo...
Herdei de meu avô, portanto, essa paixão por livros. Hoje, depois da Igreja, que é a Casa de Deus, o lugar mais adorável e encantador que qualifico é uma Biblioteca e/ou Livraria. Quando viajo para qualquer cidade, logo procuro conhecer seu cartão de visita, que pra mim, é a Biblioteca Pública local, onde passo algumas horas deliciosas, até mesmo conhecendo curiosidades históricas da cidade a qual visito. Sabe onde fica a Biblioteca Pública de Patrocínio? Uma dica: Não é no centro da cidade.(Mas, creio que deveria ser)
O vírus do amor aos livros... Enquanto papai e sua alma zíngara, adorava “cuidar de criações”, invernadas verdes, um ‘Picasso’ bom de sela e um chapéu ramenzoni cinza, só achei graça no mundo da leitura e da escrita. E, se,”ler”- diz o pai do Menino Maluquinho - “ é mais importante do que estudar”, levei o dito ao pé da letra. Durante um rico período em minha juventude, usava uma bolsa tiracolo de couro. (pra seu governo, objeto que ainda curto) O que eu levava naquela bolsa? Alguém olhando, não deixava por menos, dizia ser aquilo, ‘coisa de boiola.’ Outros pilheriavam insinuando que portava uns trecos para o tal “pito de Bob Marley”. Não me Polpavam. Eram um ou dois exemplares - alguns alocados na Biblioteca Pública - para ser lidos em algum recanto aconchegante. E um bloco de anotações, com uma esferográfica bico fino, s.o.l.a.m.e.n.te. Ou...foram as melhores companhias em toda minha vida.
Bibliotecas e livrarias são mesmo lugares divinais. Que fascínio! Como me esquecer, da última vez em que estive na Biblioteca Pública de Patrocínio, fui recebido pelas atendentes como se tivesse algum título de nobreza. Não que eu fosse especial, é de praxe receber bem ali os visitantes. Mas, senti-me em casa como nos anos 70/80. E, coisa de um ano, entrei numa livraria...Saraiva, (vai o mechan)... naquele momento, logo na entrada, fui tomado por uma emoção daquelas de turvar os olhos. Era como se adentrasse a um local paradisíaco. Gente de todas as faixas etárias, se cruzando cadenciadamente no recinto, como se praticassem um ritual sagrado. (E comprar livros é um ritual sagrado) Vislumbrei o espaço com vastas opções, livros a perder de vistas, music hall, contação de histórias, seção de CDs, DVs e vídeos, acesso à internet. Absorto observei as pessoas saírem do local, com um riso no olhar, abraçadas aos seus tesouros escolhidos a dedos. Mas, convenhamos, esta foi uma mera visão êxtática que tive no aconchego de uma livraria. No dorso da rua, no chão duro da vida, a realidade é bem outra. È por isto que, como se diz lá na comuna de uma rede social: “ Eu quero morar numa livraria” (ou biblioteca)
Pesquisas realizadas por organismos internacionais sempre colocam o Brasil entre os países que menos consomem livros no mundo, atrás dos Estados Unidos, Cuba, Canadá, países europeus, asiáticos e vizinhos sul-americanos. Por essas e outras, a afirmação de que o brasileiro não gosta de ler virou lugar-comum. No entanto, o tema exige reflexão. Afinal de contas o brasileiro não lê por que não tem acesso aos livros ou por que não se sente convencido da importância da leitura para sua formação?
Particularmente, não nutro tanta esperança em mudanças neste quadro sombrio. Há um fenômeno social em curso, onde tudo é fragmentado e distribuído em tribos. Por exemplo, quem ama a literatura, pertencerá estritamente a esta “tribo”. Os demais, olhando de longe, trocarão murmúrios ao pé do ouvido, tipo: “Lá vai um “Nerd”. Quando na realidade deveriam dizer “ Lá vai um ser humano que pensa, lê e usa o cérebro”.
É triste constatar que, de certa forma, o livro impresso caiu de moda. Ainda há pouco, uma estante na sala de estar das casas era símbolo de status social. Era decorativo, chic - e cá pra nós, além da fonte de cultura, era mesmo a imagem mais linda dô m.u.n.d.o. È... mas repare você mesmo nas casas em que visitar...Os livros foram expulsos das salas. Até Veloso, Caetaneou: “Os livros na estante Já não tem mais tanta importância, do muito que eu li, do pouco que eu sei , nada me resta”. Hoje, essas estantes foram substituídas por racks sofisticados e os símbolos de status, são a televisão de plasma ou LCD, o computador e o Home Theater . O visitante precisa ver que alí está uma família que pode ter produtos típicos da “classe A”. Expulsaram das estantes, os livros. Em certas casas, ele foram parar no lixo.
Agora, depois de quase 600 anos de existência do livro, apareceu em nosso tempo, os mequetrefezinhos por nome e-books, plataformas para leituras em tablets, com a missão de desbancar o livro impresso. Nada contra, são revolucionárias técnicas experimentais de leitura, a máxima Latina, contudo aconselha. "Abundans cautela non nocet" -Cautela e caldo de galinha nunca faz mal a ninguém - Há bem mais de cem anos, Olavo Bilac, cismava em um texto: “O livro está morrendo, justamente porque já pouca gente pode consagrar um dia todo, ou ainda uma hora toda, à leitura de cem páginas impressas sobre o mesmo assumpto”. Hoje estão dizendo a meesma coisa, será se justo a minha, será a geração”livrocida”?
Trago uma certeza! Você que olha para o livro (impresso) com o rabo do olho, não concebeu nem de longe a sua grandeza e importância. E não é somente fonte de conhecimento, a leitura é um tapete mágico que nos conduz a lugares inimagináveis. Sem um puto no bolso, apenas com um livro, quanto muito um chá/fé/vinho, para regar a leitura, você pode ir lá no Sitio do Pica Pau Amarelo, comer os divinos quitutes de Tia Anastásia; Com um livro, você vai com o Carmelitano Mário Palmério, conhecer a lúxuria da fauna e da flora na sua “Vila dos Confins”. Pode visitar Itaguaí e ter o privilégio de ser internado na clínica do Dr. Simão Bacamarte; Com um livro, se apanhar o endereço com o amigo do rei, Manuel Bandeira, pode ir para Pasárgada; Com um livro, um anel mágico e um guarda roupa- vazio, você vai a Nárnia, conversar com os animais ferozes; com um livro, você, vai com um grupo de privilegiados á Shangri-La, nas montanhas do Himalaia; Com um livro e olhos espirituais, você se vê de cabelo em pé na cidadezinha de Ashton, através d/“Este Mundo Tenebroso”. Somente via livro você se verá na incrível “Macondo”, de Gabriel Garcia Marquez, ou, se envolverá nas “Mil e Uma Noites” de Sherazade...
O livro tem o poder de triturar corações de pedras. Quem não se emocionou e chorou litros com os romances de Riobaldo e Diadorim; Bentinho e Capitu; Clarissa e Vasco; Tristão e Isolda; Romeu e Julieta; Ceci e Peri; Dom Quixote e Dulcinéia; Werther e Charlotte; José Saramago e Pilar Del Rio...Muitos destes romances foram parar no cinema, ora, mas você mesmo já ouviu a frase: "O livro é bem melhor do que o filme” .Sempre.
Entretanto, nesta apologia ao livro, não aceito sobre mim a pecha de ‘intelectual.’ “Eu sigo apenas porque eu gosto de ‘escrevler’”. Gosto, prazer, fetice. Fui um rato de biblioteca, sim, tomado de carinho pelos livros, mas, ainda não li absurdamente nada, nada do que gostaria. Sou um leitor frustrado isto, sim. Hoje tento driblar o cansaço crônico do trabalho, dividindo o tempo parco entre ler e escrever. Ao escrever, minha motivação vem somente do meu senso de cidadania, de meu fascínio pela a literatura, minha queda pelo jornalismo literário, e a presunção quixotesca de que posso contribuir com a promoção da ética e da dignidade humana neste planeta. E por que não dizer que meu fogo interior, se nutre do amor por minha terra natal; uma vontade indômita de que nossos patrícios, ao invés de se aniquilarem em rinhas, se respeitem e o bem coletivo triunfe...
Não sei explicar, a presença dos livros me acalma. Ao pé da cama, 15 títulos selecionados me esperam. Amuleto? Totem? Há noites em que somente, acaricio-lhes, e eles logo ninam -me a alma.
Confesso que gostaria de ter uma "casinha de livros". Para isto, vou contando com a generosidade dos amigos. Imagine! O amigo, Rondes Machado, já me presenteou ao longos de alguns anos com cerca de 300 exemplares. Logo que seu irmão Lincoln, faleceu, os irmãos Lia e Rondes, generosamente se lembraram de mim: “Não tem pessoa melhor para herdar os seus livros”. E descobri que as pessoas, atualmente, ao desfazem de suas estantes, jogam excelentes livros no lixo. Alguns dos catadores de papéis para reciclagem, nna cidade, são meus amigos. Graças a eles, (ao Sr Leocádio, do Bairro Santa Terezinha, principalmente) de vez em quando, alguns exemplares destinados ao descarte, vão parar em minha parca coleção.
Amigos dos amigos. "É claro que meus filhos terão computadores, mas antes terão livros."
Palavras de quem? De quem? Não entendi. De quem?... Magnata e fundador da Microsoft , Bill Gates. Alguém, aí tem cacife para rebatê-lo?
E, Jorge Luis Borges, Poeta Argentino, com as declarações de amor aos livros mais tocante que já se ouviu... Ele era cego:
"Continuo fingindo não ser cego; continuo comprando livros, continuo enchendo minha casa de livros. Há poucos dias fui presenteado com uma edição de 1966 (ele escreveu isso em 1978) da Enciclopédia Brockhaus. Senti a presença dessa obra em minha casa; eu a senti como uma espécie de felicidade. Aí estavam os vinte e tantos volumes, com uma letra gótica que não posso ler, com mapas e gravuras que não posso ver; e, no entanto, o livro estava aí. Eu sentia como que uma gravitação amistosa do livro. Penso que o livro é uma das possibilidades de felicidade que temos, nós, os homens".
Tenha cachorro, sim! Um, muitos! E cuide bem deles: Mas, o amigo de verdade do homem, chama-se: LIVRO. (texto publicado, parcialmente, na Antologia dos Autores Patrocinense)
"Os livros são objetos transcendentes
Mas podemos amá-los do amor táctil.."