O povo brasileiro se sentindo um sanduíche entre o "ForaDilma" e o "FicaDilma". Achei bem lúcido este artigo do Profº da UFU, Dr. Roberto Bueno:
"O que, muitas vezes, realmente precisa ser dito não ultrapassa os limites da obviedade atlântica. O que, muitas vezes, não é lido nem veiculado é precisamente o que está à frente dos olhos, obnubilados em face da cegueira coletiva. Neste cenário, circulam atores de imagem tétrica, que não se cansam de ocultar detrás de sua estratégia diversionista de ofuscar para, assim, sair ileso das suas, para seguir por aí, como sempre, praticando as conhecidas torpezas de odor fétido. Isto se observa nos dias que correm.
O que está realmente em causa em nosso tempo é uma ação diversionista, a tentativa de burla política com vestes jurídicas. O que se está a ver é a radicalização dos interesses políticos, que travestem o Jurídico com a mais conveniente roupagem no sentido de alcançar os interesses específicos de grupos que não hesitam em abrir uma grave e profunda fratura em nosso sistema constitucional democrático. Mais do que provocar o impedimento de algum(a) Presidente em particular, tal estratégia de sequestro do poder criará um perigosíssimo precedente constitucional.
A rigor, o impedimento sem base constitucional, mas, sim, sob argumentos políticos, rasga e tripudia a Constituição, virtualmente põe fim a uma dimensão relevante que permite o afastamento de chefes do Executivo que realmente venham a praticar atos de improbidade. O seu mau uso engendra dois graves problemas em paralelo: ao tempo em que esgota e desacredita o instrumento, introduz o precedente de que os argumentos jurídicos não precisam estar presentes para que tenha lugar o impedimento de um chefe do Executivo, bastando maiorias parlamentares e argumentos de conveniência, até mesmo econômicos.
Compreensível é a sanha de alguns grupos, compreensível é a perspectiva de luta pelo poder, inaceitável é a proposta de derrotar o Estado Democrático de Direito. Muitos dos pró-homens desta inversão e absoluto desrespeito constitucional não desempenharam qualquer papel positivo na reelaboração da cultura e do Estado democrático brasileiro. Hoje, ao que parece, seguem a distância ainda do menor compromisso político com esforços em consolidar esta tradição. Incompreensível é que, ainda, alguns dos que estiveram perfilados nas forças da reestruturação do sistema democrático do País possam estar a colaborar tão firmemente com a veia autoritária dos que não aceitam os riscos e prejuízos que uma democracia pode causar, ainda que isto faça necessariamente parte do jogo.
O que realmente está em causa é um cenário de decréscimo da economia, de queda na arrecadação, de perdas na capacidade do investimento público por parte do Estado e, por conseguinte, de perdas para (quase) todos os atores econômicos, com impacto direto e negativo no nível de emprego, bem como na qualidade dos mesmos e, por fim, no próprio bem-estar da população. Isto, sem embargo, para o bem ou para o mal, não está de forma alguma previsto como uma causa para o impedimento do chefe do Executivo, nem sob a mais tortuosa das hermenêuticas constitucionais que se possa imaginar.
É preciso ter claro que o Estado Democrático de Direito precisa ser preservado ainda quando tenhamos perdas econômicas, ainda quando soframos por perdas de ordem diversa, pois, de não ser assim, tudo quanto nos restará serão gerentes, burocratas, tecnocratas, especialistas aos quais reservaremos as funções de Governo, eis que, supostamente, sempre serão eles os que levarão o sistema a funcionar da melhor e mais eficiente forma. À parte desta evidente falácia, resta sublinhar um detalhe esquecido: isto já não será uma democracia!
Prof. Dr. Roberto Bueno
Universidade Federal de Uberlândia (UFU) Texto publicado originalmente no Correio de Uberlândia