Fiquei impactado com as revelações que me trouxe o e-mail que publicarei ao final deste texto. Jamais, imaginei que uma simples e despretensiosa crônica minha, pudesse tocar tanto o coração de uma pessoa. Jamais imaginei que alguém fizesse tanta conta de um texto tosco de minha lavra. Jamais imaginei que algo escrito por mim servisse de lenitivo para alguém no crepúsculo de sua existência. Ao ponto de dizer que foi “o maior prêmio que recebeu durante mais de cinqüenta anos de profissão”. Ao ponto de pedir a seus entes queridos que procedessem a leitura dela junto ao seu leito de enfermidade. E ainda solicitar que no seu “Post Mortem”, a referida leitura fosse, também feita junto ao seu túmulo...
SOBRE A CRÔNICA, ( publicada em nossa coluna na Gazeta e no nosso antigo blog no POL) que se chama “O DOMADOR DE TEMPESTADE” versa sobre uma viagem sui generis, que fiz em 2013 de Patrocínio para Uberlândia em um ônibus do Expresso União. Logo que comprei minha passagem e antes de me embarcar, olhei novamente para o céu e pensei seriamente em desistir daquela viagem. Prenunciava-se uma das maiores tempestade que já havia visto. As nuvens cores de chumbo, que quase riçavam o topo da Serra do Cruzeiro, prometiam em breve um dilúvio daqueles. Era desprender uma gotinha, em seguida o céu desabaria. Para se ter uma idéia, ainda nem eram 18 hs, contudo parecia noite alta.
De repente chegou o protagonista da crônica: O condutor do ônibus. Nesta altura já chovia torrencialmente. Sentado confortavelmente numa das primeiras poltronas, dirigi uma prece ao trono da graça e vi, logo que só teria três coisas por os olhos durante aquela viagem: Uma grossa cortina d’água, a qual o farol do busão mal rompia alguns metros; um pará- brisa com movimentos frenéticos e quase inútil e ele: O motorista em cena.
Ele chegou dentro do horário, numa calma budista, ajeitou o retrovisor, o assento, endireitou a gravata, fixou o cinto de segurança, correu os olhos no interior do veículo e deu a partida. A sensação nítida é que nosso destino estava, literalmente nas mãos daquele homem. E como não tinha mais nada para ver, fui notando, o seu profissionalismo, a sua prudência, o seu domínio, o seu pulso firme no volante, sua rica experiência em ação e por incrível, que pareça, me senti seguro e pude respirar macio atravessando o forte temporal...
A viagem era lenta, não sabíamos precisar onde estávamos no percurso. Restava apenas confiar, em Deus e naquele, que já me parecia um herói épico com a missão de nos conduzir em segurança naquele desafio. Foi quando decidi que escreveria uma crônica sobre aquela saga. Olhei seu semblante sereno e logo me veio o nome: “O DOMADOR DE TEMPESTADE”..
Chegando a Uberlândia, deparamos com um cenário apocalíptico nas ruas e avenidas. Árvores derrubadas, muros caídos, carros arrastados, asfalto arrancado e o terminal rodoviário, um caos, sem luz...E diziam ter sido a maior tempestade em 30 anos...
Naquele escuro todo, antes de descer do ônibus, toquei no ombro daquele motorista, ele me olhou, parabenizei-o pelo profissionalismo e pela viagem tranqüila. Perguntei seu nome, ele me disse: “Antônio Eliziário”...Realmente escrevi a crônica, reservei o meu próprio exemplar do jornal para ele, mas não conseguia encontrá-lo. Até que finalmente, algumas semanas de vigília, pude vê-lo no pátio da empresa, se preparando para entrar num ônibus. Corri, alcancei-o e lhe entreguei o jornal. Disse-me que havia estado doente e se afastou do serviço...A última vez que lhe vi, brinquei: “Bom dia, Sr. DOMADOR DE TEMPESTADE!”. Ele já havia lido a crônica, sorriu e me agradeceu...Novamente perdi-o de vista...
E assim, soube pesaroso de sua morte na cidade de Monte Carmelo...
A SEGUIR, DOIS E-MAILS CUJAS REVELAÇÕES QUE ME TOCARAM AS CORDAS DA ALMA:
“PREZADO SR. MÍLTON,
Antonio Eliziario, o motorista cumprimentado pelo Senhor na crônica O Domador de Tempestade, faleceu dia 19/06/2015 depois de um longo período de luta contra um câncer de pulmão.
Ele era meu cunhado. Sou casada com o irmão dele.
O motivo desse contato é lhe dizer que seu texto era tido por ele como o mais importante prêmio que ele recebeu em mais de cinquenta anos de profissão.
As circunstâncias em que eu li seu texto para ele pela última vez dá quase uma outra crônica. Pena que me faltem o engenho e a arte.
Receba nosso respeitoso abraço,
Antonia Marina Aparecida de Paula Faleiros e Luiz Antônio dos Santos Faleiros.” (Lauro de Freitas –BA)
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BOA TARDE SR. MÍLTON.
Sábado passado, pouco antes de lhe mandar a mensagem eu havia acabado de cumprir a promessa que fizera ao Antonio Eliziário da última vez que o vi, cinco dias antes de ele morrer.
Nós moramos em Lauro de Freitas e no dia 13/06/2015 fizemos uma visita ao Antonio e mais uma vez li para ele sua crônica. Ele já muito debilitado me pediu que a lesse para ele "no dia da ultima viagem" e se eu não estivesse presente no dia da última viagem era para eu ir "lá naquele lugar e ler para ele". Foi assim mesmo que ele disse.
Viemos para a Bahia e no dia 19/06/2015, Antonio fez sua última viagem.
Não conseguimos ir para o enterro e somente na semana passada eu fui a Monte Carmelo cumprir a promessa. Fui ao cemitério e junto à sepultura dele fiz a leitura do jeito que ele pediu. Choramos muito eu e meu marido.
Seu texto é realmente muito emocionante. Somos-lhe eternamente gratos.
Grande abraço
Antonia Faleiros” (Lauro de Freitas –BA)
Depois destas revelações, sinceramente, fui tomado por um aluvião de emoções. Estou triste, pesaroso, alquebrado, honrado, agradecido... em lágimas..