8 de Maio de 2015 às 20:46

Retrato de Uma Flor

Passo a vida encantado com a fortaleza de virtudes que é esta mulher. Como pode alguém ter tanta bravura interior? Conservar tanta doçura na alma, depois de passar por tantos reveses, percalços e golpes na vida.

"NUNCA ME SENTI TÃO BEM ...”

Após ouvir estas palavras, desligo o telefone e ponho-me a imaginar o quanto essa mulher é importante em minha existência e na existência de tantos quantos conviveram e convivem com ela. É uma candeia de ouro, posta, por Deus para iluminar, particularmente, o meu caminho. Sua vida espelha virtudes como: amor, otimismo, fidelidade, renúncia, generosidade, perdão, coragem,  garra, dedicação, resiliência, discrição e integridade absoluta.

Posso responder com segurança ao sábio Salomão que encontrei a tal mulher virtuosa, a qual se referiu no milenar provérbio: "Mulher virtuosa, quem a achará? Seu valor muito excede o de finas jóias"(PV. 31:10) Essa mulher plena em virtudes se chama LUZIA MARIA MAGALHÃES,  a mesma que ,Maria Abadia (Filha de seu primeiro casamento), Marta, Milton, Maria do Rosário, Marta Eliza  ( maninha esta, adotada e bem criada por tia Fiota), Lúcia, Lúcio,Vera Lúcia e as netas-filhas: Kajeane e Cristiane, a chamamos de MAMÃE LUZIA.

Na realidade, estamos falando de uma pessoa que deixou e deixa sua digital de amor por onde passa. Certa vez, conversando com a amiga Profª Dulce Nunes, ouvi dela como que um doce reconhecimento: "Luzia, também ajudou a me criar". Referindo-se ao tempo em que mamãe trabalhou com a família do Sr. Generindo de Castro e Dona Zizinha Nunes. E o que dizer de tantas outras famílias que mamãe cativou com o seu trabalho honesto e seu inquebrantável caráter. Graças a sua dignidade, nós, filhos, temos em todo canto, uma prole considerável de amigos do coração.

Passo a vida encantado com a fortaleza de virtudes que é esta mulher. Como pode alguém ter tanta bravura interior?  Conservar tanta doçura na alma, depois de passar por tantos reveses, percalços e golpes na vida.

Quando criancinha viu o pai ser acometido de problemas mentais e morrer, numa cruel fatalidade, morreu queimado em um casebre de palha onde moravam. Sua mãe desesperada, teve que buscar forças e pegar firme as rédeas da vida que virava de ponta cabeça. Roubaram-lhe a infância. A menina Luzia, viu logo que viver não seria brincadeira, pois, aos oito anos, teve que começar a trabalhar como gente grande. Sempre nas cozinhas das grandes fazendas. Lida que se iniciava ás cinco da manhã, até ás altas,  da noite. Nem precisa mencionar que facilidades modernas tais como, fogão a gás, máquina de lavar, geladeira, liquidificador, frízer, microondas, ferro elétrico, não faziam parte de seu dia-a-dia. E teve certo local de trabalho, em que ela fugiu  apressada  e nunca mais regressou , ao perceber, que o patrão, aproveitava de sua condição  frágil e  insinuava certas "liberdades". Não se rendeu cafajeste poderoso.

Não faltou gente honesta que lhe desse guarida, mas a custa de muito trabalho. Correram-se os anos, uma morena cor-de-cuia , muito prendada, era conduzida ao altar por um jovem, por nome, Geraldo, também muito estimado por toda Cruzeiro da Fortaleza e Pastos dos Bois. Um ano depois de casada, uma fatalidade. Seu jovem esposo caiu enfermo . Um longo padecimento sem cura. A nossa guerreira, ali, como arrimo da família, com seu braço forte, era toda dedicação, longanimidade, renúncia , ternura e carinho e agora, já tinha também a pequena Maria Abadia, fruto daquele  amor. Um dia, porém, Deus resolveu chamar seu jovem companheiro pelo nome, chegava ao fim  aquele  longo sofrimento. Foram   17 anos de enfermidade, 17 anos  de uma prova de amor.

Essa parte de sua história não vivenciei.  A alguns KM,  alguém chorava a perda de uma, também muito jovem, esposa. Era meu pai, prestes a perder o norte da vida, sem minha mãe biológica, Adelina e com quatro pequenuchinhos para cuidar.

O mundo, porém, continuou a girar e diamantes se encontram. Diamantes se encontraram. Depois de um tempo de viuvez, cupidos entram em ação, um namorico ao longe. Essa mulher virtuosa, aceita - imagine!- ser a nossa mamãe: Tal qual o relato biblico:"E chamaram a Rebeca e disseram-lhe: Irás tu com este homem?.(Isaque) Respondeu: "Irei!".

Esta, sim, foi a melhor coisa que aconteceu em nossas vidas. O tempo de cantar foi luzindo na Barra do Salitre: "...Era florada, lindo véu de branca renda, se estendeu sobre a fazenda , igual manto nupcial. E de mãos dadas fomos juntos pela estrada toda branca e perfumada, fina flor do cafezal" E seguia no rádio a canção de Cascatinha e Inhana: ..."Morre a flor e nasce o fruto no lugar de cada flor..."

Tínhamos agora um lar, singelo, cercado de mato verde e com alarido de alegria. Logo, já não éramos apenas seis, nascia os gêmeos: Lúcio e Lúcia e, logo, a caçulinha loira: Vera Lúcia. Mamãe, era estilo linha dura, ai de nós, por exemplo,comer um pão de queijo, que ela estivesse assando,  antes das visitas. Ela cerrava as sobrancelhas  e já conhecíamos bem o código.Mas, por outro lado, era ela que me livrava de alguns corretivos homéricos. Papai valente, trabalhador e, de quebra,  contador de casos, mas, se a gente derrapasse  a tunda comia bonito. Ele, com aquela alma cigana, mudava que mudava,(Uberaba, Patrocínio,São Benedito, Uberaba, Estrela do Sul, Romaria, Monte Carmelo e Uberaba...)

Tive que ficar com Vó-Mãe-Badia,no fundão da Matriz, para estudar,voltando, porém,constantemente, para o colo de Mamãe Luzia. Ela sempre foi minha fonte de inspiração. Reconheço que vem dela essa minha fibra para o trabalho; Minha opção para o caminho do bem e "Esse jeito de achar que a vida pode ser maravilhosa" Convivendo com ela, aprendi que, se o tema em voga  não for morte, me espelho nela e acredito que dá para virar qualquer jogo

Posso, com meus irmãos, até não ganharmos o Prêmio Nobel da Paz, contudo, se errarmos o caminho do céu; se corrompermos por desonestidade, merecemos umas belas palmadas. "Então, é  uma Amélia, sua mãe?"-Alguém, perguntará : Não! - Respondo. A musa de Ataulfo Alves, tadinha, "Não tinha a menor vaidade"A minha,ainda, hoje,madruga para cuidar do corpo e da alma,com toda discrição, bom gosto e vai até para Caldas Novas, sob os cuidados da neta/filha Kajeane.

E assim...na fatídica data de 08/08 /98 o coração de papai encerrava sua missão neste plano de vida. Esteve  por sete anos limitado pelas seqüelas de dois acidentes vasculares cerebrais e  a nossa guerreira, ali, como no seu primeiro casamento, arrimo da família. Com seu braço forte, foi toda dedicação, amor, longanimidade, renúncia e carinho...

A perda ainda dói na alma, mamãe, porém,  resoluta e resiliente, tocou  a vida como somente ela sabe fazer.  Uma mulher que nunca  entregou os pontos. Construiu sua casa, medindo a "água com fubá", praticamente sozinha, em um bairro nobre na cidade de Monte Carmelo, onde reside.  (Mas,  sempre , está  na cidade de  Uberaba, na casa da filha Lúcia,  onde cuida de sua  saúde)   Seu lar é impregnado de conforto simples, onde nossa guerreira,realizada, feliz, recebe filhos, netos e bisnetos,  que vão chegando e as fraternais amizades que soube conquistar. Tão abençoado seu cantinho onde vive em perfeita harmonia consigo e com Deus. Com ela a rabugice e perrengueira não tem vez: "Nunca me senti tão bem..."

 È seu retrato que vejo toda vez que leio o texto, "Retrato de Mãe", de Guilherme de Almeida:

"Uma simples mulher existe que pela imensidão de seu amor, tem um pouco de Deus;e pela constância de sua dedicação, tem muito de anjo; que, sendo moça pensa como anciã e, sendo velha, age com as forças todas da juventude, quando ignorante, melhor que qualquer sábio desvenda os segredos da vida, e, quando sábia, assume a simplicidade das crianças; pobre, sabe enriquecer-se com a felicidade dos que ama ... “

Mamãe Luzia,  vida de nossas vidas. A ela um zilhão de obrigado! Todo ouro do reino, será pouco por tudo que fez e   representa para nós, seus filhos, principalmente, nossa eterna gratidão por ter feito nosso Papai Lourival...tão feliz!

(Artigo inspirado no livreto :"Luzia, Menina, Mulher, Guerreira", escrito em 1992 por Cristiane Magalhães, umas de suas netas/filhas, então com 13 anos)